A Catarse colectiva na Religião e o Amor...simples, humano, superior
Em todas as religiões, ao longo do tempo, foram-se criando, elaborando, sofisticando as cerimónias, os momentos de culto (termo ambíguo, perigoso, já que comum a outros tipos de crenças, algumas bem opostas às das religiões, como as de algumas 'seitas, mas na sua génese o Cristianismo era uma seita, apenas, que hoje alguns querem fazer esquecer...um seita conduzida por um homem que tinha ideias políticas e não religiosas, mas numa época em que a vida social e política se misturava com a das divindades, daí a confusão mais tarde gerada...enfim...) colectivo, os momentos de Catarse. Este, um termos que enerva e inquieta os actuais Católicos, principalmente, já que associado aos Cátaros, de França (Carcassonne)...
A razão de esses cerimoniais terem crescido em complexidade e até em fausto, que hoje já se põe mais em causa e até se simplifica, frito das críticas, perante um mundo moderno que não vive bem consigo mesmo...a razão é precisamente uma espécie de Catarse colectiva: um ambiente contagiante onde se canta em conjunto, onde se 'ora' em conjunto, sabendo-se bem o efeito que tal tem nas nossas próprias mentes. Quando se fala, interioriza-se, como sabemos.
Muitas vezes uma parte significativa do nosso pensamento vem de fora. Vem do que ouvimos e aprendemos com outros, do que vemos e do que Falamos. No exacto momento em que dizemos, expressamos, verbalizamos um ideia, interiorizamo-la e assimilamo-la como se já cá estivesse. É a nossa consciencialização das coisas, de fora para dentro, processo contrário ao que seria, talvez, mais natural. Mas é real, acontece. Acontece quando queremos convencer alguém de um ponto de vista, nem sequer bem pensado, reflectido ou ponderado. Acontece quando nos declaramos, sentimentalmente. E esse processo, por exemplo, de declararmos o nosso amor a alguém, também encerra o mesmo perigo: é genuíno o sentimento? Ou é também fruto de um processo mais exógeno, que depois nos cresce cá dentro? Embora, nesse caso, o processo, por ser mais incómodo, menos habitual, mais raro, e muito particular e especial, porque elaborado e declarado a uma só pessoa, sofra de um efeito de comparação e de verificação instantânea pela reacção do outro. Ou seja, pela forma como essa outra ou outro reage também conferimos a autenticidade do que acabámos de declarar... Daí o Amor ser um processo tão altruísta quanto muito egoísta...
Já na contagiante congregação religiosa, seja Cristã, Budista, ou Islâmica, o processo assemelha-se ou identifica-se mesmo, com o que sucede em movimentos políticos. Pode-se ventilar uma ideia, por escrito e isso não congrega as pessoas colectivamente para as fazer aderir à mesma. Se for, claro, ideia defendida e propalada por alguém socialmente mais impactante e visível pode ter mais efeito e resultados, mas nada comparável ao efeito de algumas palavras, tantas vezes ridículas, simplistas e direccionadas com um propósito específico, ditas numa manifestação política. Aí sim, a Catarse e o Contágio é bem forte.
Costumo dizer que o momento em que as pessoas se tornam e evidenciam mais estúpidas e acéfalas é o do agrupamento, das multidões, das manifestações públicas, políticas e religiosas. Uma manifestação política ou uma cerimónia religiosa. O ritual...
Levantar-se, sentar-se, por-se de ar circunspecto (ridículo...como se um acto religioso tivesse de ser sério ou triste...enfim), o silêncio colectivo, tal como numa música, é orquestrado na perfeição, para conduzir as multidões...e as palavras repetidas por todos....(repitam comigo, digam comigo...etc). Tudo faz parte de uma organização que foi crescendo com o tempo, de uma orquestração inteligente, que tem dado frutos.
Mas na realidade, a grande prova de ser acreditar, está bem dentro de nós. (como me dizia uma pessoa inteligente há uns dias...). Na 'Fé' religiosa, como nas nossas outras convicções, sejam de cariz político ou sentimental. Como acreditar que se ama alguém, e até se ama à distância. Faz parte de uma reflexão difícil, sujeita a armadilhas, mas fundamental!
Na religião, as coisas e os processos não são assim tão diferentes dos nossos processos mentais sobre a política, as convicções filosóficas, a criação e defesa dos nossos princípios individuais, e colectivos, as nossas convicções sentimentais.
As religiões, ou organizações religiosas sempre pretenderam distanciar-se dos outros processos mentais e convicções: do amor humano, da amizade, das ideias em geral.
Mas é o maior engano humano. A maior força e a mais difícil de controlar, pela nossa cabeça, é a do amor por outra pessoa, nada se lhe compara. Difícil ou impossível de assumir e assimilar por muita gente, mais ainda de verbalizar. Mas verbaliza-la é um acto de inteligência, de prova na sua convicção e não uma brincadeira ou fonte de gozo ou chacota, isso sim próprio de quem nunca teve essa coragem. Próprio de quem se julga diferente, mas não consegue assumir um dos sentimentos mais naturais e antigos desde que o cérebro humano se libertou do dos comuns animais. Um ritual religioso está muito próximo de um ritual animal, mas uma declaração de amor, está bem distante.
Uma religião e uma fé, não são o mais elevado que um ser humano pode sentir e praticar, mas sim a humildade e inteligência do amor por alguém e...da sua expressão sexual! Isso sim requer e exige de nós o esquecimento de orgulhos, que a nossa inteligência tantas vezes impede.
Viver e sentir o pulsar da vida é o contrário do que tanta gente faz, ao entregar.se por medo, ou dúvida, a uma entidade que nunca saberá se existe. O ser humano, ou seres, que mais amamos está ali...tão perto e quantas vezes vivemos e deixamos o tempo correr, sem recuperação possível...e quando a vida termina, por vezes de forma súbita e brutal...afinal não fomos assim tão diferentes de animais sem sentimentos, e nunca fomos capazes de dizer o que sentíamos, ou de viver em conformidade com o que dissemos. Isso...teria sido mais inteligente e, sobretudo, mais proveitoso!
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