O homem reduzido
Ler. Devia ser considerado o mais humano dos actos humanos.
Pensar, tentar entender, aprender, ver novos mundos. Conhecer. Esta sim, devia ser a nossa missão, toda a vida. Dedicar a vida à tarefa mais ingrata e impossível: aprender. Nada mais humano, nada mais marcante e diferenciador. No sentido do nosso entendimento nunca possível ou realizado, sobre o mundo. O undo físico, o mundo das pessoas, do que elas são, o do pensamento e do que elas imaginam. Do que as pessoas foram e do que fizeram.
E as pessoas fizeram este mundo. Para além do biológico total, bem maior e incompreendido, onde mandam os microrganismos, que afinal mandam mesmo em nós. Mas pensamos que não, como mais um dos enganos a que nos entregámos, desde que somos gente. Pensámos mal, pensamos mal. Muito humano.
Este mundo, cheiro de erros, cheio de beleza, cheio de crimes contra o mundo natural e contra nós mesmos.
As pessoas pensam e fazem-nos pensar. As que vemos, e nos encantam e nos geram desejo, forte e sexual. As que nos afastam, porque antagonizam, as que nos cansam e entediam, e as suas contrapartes, que nos levam num encanto, ou nos provocam aversão. Aas que queríamos seduzir, ou as que ainda e sempre queremos, e sabemos nada acontecer. É o mundo que do que nós e outros fizeram ou do que nunca será feito.
O nosso pequeno mundo, e o único que iremos ter. Torna-nos limitados e tão grandes, gigantes, nele, pequeno, quase de bairro.
Ou nada tem a ver com saber, mas tão só com imaginar. Boa parte do que fazemos (ou somos?) é apenas imaginação.
Mas conseguimos fazer isso, afastarmo-nos do mundo não humano que esse não consegue imaginar. Imaginamos uma tarde de sexo com alguém que mexe e remexe o nosso pensamento. Imaginamos uma sociedade, todo um país e "um mundo", diferente, e melhor. Sempre melhor, claro. Melhor mesmo no pior que constatamos depois, e nos desilude.
Mas acontece. Ler, faz também acontecer. Porque somos humanos e nos faz ainda mais humanos.
As pessoas não fizeram apenas este mundo. Fazem-no. Todos os dias. E assim os livros.
David Szalay ganhou o Booker Prize de 2025. É estranho ler um autor de que não tínhamos ouvido falar. E depois não é. Fez-se um novo mundo onde: "é sempre difícil escrever sobre sexo". Difícil, sobre nada mais humano do que sexo. Mas é este beco onde crescemos que nos faz assim: difícil de escrever, sobre algo que desejamos, imaginamos e calamos.
Somos os reduzidos num mundo tão gigante que nunca iremos conhecer.

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