O ausente
Em 200 assinei o meu documento de apoio à candidatura de Cavaco Silva, à Presidência da República. Nessa altura, para mim, Cavaco Silva tinha sido o Primeiro-Ministro que mais tinha feito pelo crescimento económico do país, período em que Portugal teve a mais baixa taxa de desemprego, também. Não me deslumbrava com todos os aspectos da sua governação, período durante o qual considero que os governantes se afastaram demasiado dos seus eleitores, e durante o mesmo se dera muito pouco valor a alguns dos sectores, pelouros, que considero, desde sempre como essenciais para atingirmos um patamar de segurança na Democracia, com um povo mais esclarecido, mais culto (este termo que ainda me parece mirífico perante o que vejo do nosso povo...enfim)
Fiz parte dos apoiantes, mais ou menos activos, de Cavaco, mas nunca participei em campanhas ou acções de rua, porque a minha actividade profissional não me deixava qualquer possibilidade e porque, confesso, que o ambiente de feira das campanhas nunca me seduziu. Mas perante o panorama da altura, achei que Cavaco seria o Presidente que devíamos ter. Embora guardasse algumas reservas, quanto ao seu carácter, a raiar o autoritário, ou mesmo assumidamente autoritário, contrário ao que entendo dever ser a atitude de um político num país europeu e democrático.
Passado o primeiro mandato...durante o qual as minhas dúvidas foram ganhado forma e volume, considerei-me desiludido com a falta de capacidade do homem em agir como um "mortar", um ser feito da mesma matéria do que todos nós. Via um ser seráfico, demasiado teatral, e identificava o mesmo complexo de muito provinciano português: alguém que exacerba os títulos, talvez por ter tudo feito a muito esforço, talvez por esse esforço, que o levou à Cátedra, ser demasiado desproporcional à sua real inteligência.
E foi o que comecei a ver neste homem. Alguém que se transcendera durante a vida académica, numa luta com os mais elevados conhecimentos na sua área, as Finanças, num esforço quase anti-natural. Fazendo um paralelo com outras figuras públicas conhecidas, ainda hoje ao ler um pouco do currículo de Durão Barroso, me perguntei se tanta formação o "encheu" efectivamente, se assimilou alguma coisa...pois não se lhe conhece uma ideia, um rasgo de inteligência, uma teoria sobre qualquer coisa, nem que seja sobre o sal que deve ter o bacalhau. Cavaco...será um tanto diferente, mas apenas e especificamente, na sua área de formação, Finanças. O que é demasiado redutor para um Presidente. O que é demasiado desajustado, num país que, embora ainda valorizando em excesso o sector financeiro, tem mais urgência em por esse sector ao serviço da sociedade, do que em continuar num sistema, suicida de nos por a todos a servir as Finanças e...a pagar os seus desvarios de dolosa gestão.
Cavaco pareceu continuar na mesma linha de antes, de quando era Primeiro-Ministro, mas agora enclausurado numa casca de cera e papelão, que nos parece demasiado artificial, teatral e sem conteúdo meritório. Quando o vejo a entra ou sair de um salão em Belém, antes ou depois de uma comunicação, lembra-se os soldadinhos de chumbo, um precioso, mas desfasado no tempo, brinquedo da minha infância, ou antes dela. Um soldadinho de chumbo...que nos deixa sempre pela metade, quando pretende "falar" connosco.
Mas na verdade ele nunca quer falar connosco. Fala sempre com a intenção do recado para alguém, que não somos nós.
Cavaco tem sido tudo, menos o "Presidente de todos os portugueses", esta imagem que Soares nos deixou. E quando vêm os recado, normalmente já quase tudo aconteceu.
Mas pensei em escrever este texto, para que me tentem dizer se alguém o viu. A sério...alguém viu Cavaco? (Where's Wally). Cavaco não está ausente apenas por não estar. Mas mesmo quando está...está ausente. Uma a duas vezes ouvi-lhe discursos importantes... e nada aconteceu. Tudo continuou igual, não houve reflexão alguma que percorresse o país, não houve alteração visível que coisa alguma. Da última vez, disse algo que todos sentimos...mas há trinta anos que o sabemos e sentimos: a necessidade de repensar, renovar a atitude e até a classe política (tão longe ele não iria, pois por onde ele andou na vida, o fruto vermelho com que fazemos saladas...não deve ter existido. Parecia "te-los" quando PM, mas deve ter sofrido um qualquer desaire e ..foram-se). Ninguém mais do que um Presidente da República tem legitimidade autoridade moral para puxar as orelhas a estes meninos que pululam pela nossa política, dando-nos cabo da vida e da vida do futuro. Ninguém mais do que ele para fazer tremer interesses instalados. Mas como ele "os" deve ter perdido. Ou perdeu a vontade? O que me deixa muito mais preocupado.
Bem sei que se trata de um Professor de Finanças, que vê o mundo dependente desse outro, perverso e criador por excelência de injustiças e desigualdade, nem servindo para nos servir: mas para se servirem. Bem sei. Aliás ele esteve envolvido num tal assunto de acções...muito pouco transparente.
Mas desaparecer, oh Wally! Não se sabe o que anda a fazer, mas pagamos para ele não nos dar indício do que anda a fazer. Pagamos para ele...desaparecer, mas se nos perguntarem...não queremos.
Quando os líderes dos actuais Partidos se entretêm a dizer asneiras e nos retiram futuro, já que presente pouco temos (alguns), devia ser o Presidente a tomar rédeas de algum caminho, de algum vislumbre. Não que decida em lugar do Governo, ou do futuro Governo. Mas um Presidente não pode ser um lugar de cera, ou um vaso de flores daquelas velhas e cheias de pó que víamos em casa de uma tia velhinha. Mas parece ser. E desta feita, com muito pó, debaixo do qual deve estar camuflado, que não se vê. Talvez para se camuflar dos aviões russos. Por exemplo...o Chefe da Forças Armadas não tem uma palavra sobre estes voos provocatórios dos russos? Ou sobre algum concerto de posições a nível europeu sobre o assunto?
E sobre esta onda de comentários relativos à Banca? E sobre o Orçamento? Bem sei, bem sei. Sobre o OE 2015 deve pronunciar-se (mas não irá) após a sua aprovação mas...oh! Essa já aconteceu. E sobre as consequências deste OE, nada? Não sabe ele o que todos sabemos, que ficaremos ainda mais pobres? Não fez ele um discurso sobre estes dois temas: a nossa pobreza infligida e os impostos asfixiantes? E já nada nos diz?
Onde anda o Ausente? (ok, se aparecer, deixa de o ser, é isso). De que nos serve ter um Presidente que nada nos diz, não aparece? Não leva já mais dias de desaparecimento do que o ditador da Coreia do Norte? E já nos esquecemos todos que até parece termos um Presidente algures?
Algures, em parte incerta...
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