Até que ponto somos uma sociedade?

"Em sociologia uma sociedade (do latim: societas, que significa "associação amistosa com outros") é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, gostos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade.
É um grupo de indivíduos que formam um sistema semi-aberto, no qual a maior parte das interações é feita com outros indivíduos pertencentes ao mesmo grupo. Uma sociedade é uma rede de relacionamentos entre pessoas. Uma sociedade é uma comunidade interdependente. O significado geral de sociedade refere-se simplesmente a um grupo de pessoas vivendo juntas numa comunidade organizada."

Somos um conjunto de pessoas com propósitos comuns, provavelmente. Certamente com idênticas preocupações, gostos próximos e costumes. O que é parte de definição de cultura de um povo. "Interagem entre si", claro, interagimos. Mas para mim esta definição é curta, penetra pouco no conceito que pode definir uma sociedade, diferenciando-a de outras. A interacção numa comunidade pode existir quando estamos em viagem, interagimos com uma sociedade que não é a nossa, mas isso também depende do âmbito da definição. E aqui, podíamos entrar com o conceito de sociedade europeia, etc. 

Para mim, no entanto, sociedade implica uma interação pelos tais interesses comuns, que podem ter implicações para com a mesma. Por exemplo, um problema nacional. Tivemos uma interacção forte e bem evidente quando defendemos causas, como a independência de Timor (que agora nos agride com expulsão de juristas, parece que por terem iniciado investigações incómodas para o poder político de Timor). 

Se esta ideia for aceite pelo mesmos membros de uma sociedade (não me parece propriamente uma interacção a discussão de um resultado do futebol, ou do episódio da novela do dia anterior. É interacção, ou mera comunicação? Trata-se de um processo de análise superficial, e em que não há alguma decisão que implique a vida da sociedade), talvez se ponha em causa o vivermos efectivamente em sociedade. A nosso passividade colectiva, perante problemas comuns de imensa importância, decisivos do futuro comum, penso por em causa esta interacção e, pelo contrário, emergem os assuntos e preocupações individuais em grande destaque face aos colectivos. Também são de extrema importância. Mas o caso é que os problemas familiares e individuais podem, ou de facto, se ligam aos colectivos e deles dependem, na percepção, análise, reflexão e decisão.

Nem sempre é assim e julgo identificar bem, noutros países, sociedade coerentes e com vida activa na discussão de assuntos de interesse comum e na procura de soluções. Mesmo ao lado, em Espanha. Em quase todos os países centro-europeus e nórdicos. O interesse pelo que é comum, a sua defesa, a participação nesses interesses é, parece-me evidente, bem distinto do que em Portugal observamos.

Não entendo as razões, as origens desta sociedade "individualista", deste viver em "ilhas", em que cada um julga poder resolver problemas que, afinal, são do colectivo. E todos sabemos bem de que problemas se trata, de que assuntos dependemos da comunidade, e nunca os resolveremos individualmente. 

Numa sociedade "aos bocados", constituída por essas ilhas, que são os nosso grupos pessoais, ou apenas as nossas famílias, é muito mais fácil governar quem é totalitário, ou apenas autoritário. É bem mais fácil que os grupos de corrupção singrem. As sociedades secretas ganham outra dimensão e capacidade de manipulação. Os problemas colectivos arrastam-se. A organização de um colectivo, e de um movimento torna-se quase impossível. Também não somos o único país a sofrer desta realidade inquietante. Penso que em Itália o problema ainda será mais grave, mesmo dentro de uma única cidade. Mas Itália é um país jovem, nascido de muitas comunidades, historicamente invadidas e colonizadas por diversos povos, com imensos dialectos de cidade a cidade. Portugal é o mais antigo país europeu, com as mesmas fronteiras e língua. 

Precisamente na defesa da língua verificamos a inexistência de uma coesão social. Este Acordo Ortográfico (AO) seria impensável numa França, numa Espanha. Um AO que está a confundir toda a gente e a destruir a língua portuguesa. Nem era necessário, e está tecnicamente muito mal feito. Foi o capricho de um homem ridículo que sempre pretendeu protagonismo, que não almejava na sua Universidade (Malaca Casteleiro). E o curioso é os seus antigos adversários na Faculdade apoiarem o seu AO, apenas por ter sido imposto por outro idiota português, o mais mal intencionado dos políticos em centenas de anos: José Sócrates, um inculto que rouba títulos académicos que não pode legalmente usar. 

Mas o mais grave dos sinais que me leva a pôr em causa sermos uma sociedade autêntica, coesa, é a nossa apatia perante esta política de muito baixo valor, de inferioridade intelectual, que serve interesses de grupos minoritários, e que se reveza no poder entre os dois maiores Partidos. Assim se desenvolvem os interesses e se mistificam as verdades. Durante anos assistimos a uma silenciosa propaganda, vinda do poder político e do financeiro, da solidez da nossa Banca. Da seriedade dos banqueiros e da sua infinita superioridade e sabedoria. Lemos agora, dia após dia, sobre a extrema fragilidade dos bancos portugueses, sem excepção. O banco que em Portugal opera mais sólido e digno de confiança...é espanhol, o Santander. Todos os bancos portugueses denotam agora a sua baixa qualidade, eficiência e fragilidade financeira. 

Mas outros "casos" nos despertam, ou deviam, para esta genuína falha na nossa construção social. Atentando no que em Espanha se passou nos últimos dias, com a prisão de dezenas de políticos, temos por cá gente condenada que nunca cumpre pena, que vive como sempre, faustosamente, e vai de recurso em recurso tentando ilibar-se do que realmente cometeu. Maria de Lurdes Rodrigues, que insiste numa conspiração contra os políticos. Armando Vara que insiste no mesmo e no ar cândido. E todos os outros que nem investigados foram e de quem as evidências de crime se foram destruindo, pelos próprios tribunais? Como é possível um alto Magistrado, que devia dar o benefício da dúvida a uma investigação ainda por iniciar, que devia confiar no sistema em que o próprio se insere, que devia confiar, em último grau no próprio "amigo" que safou, mandar destruir provas, antes mesmo de analisadas em processo de investigação e instauração de processo, antes mesmo de análise num eventual julgamento? Isto não é pôr em causa o sistema judicial de que faz parte e é o seu mais alto dignitário? E este não era um assunto de interesse do grupo, do magistrados em geral, dos juristas e, bem mais, da sociedade em geral? E se Sócrates for mesmo o corrupto perigoso que se serviu do Estado para enriquecer, como o fez, passando de um indivíduo de origens modestas a milionário, sem que tenha tido outra vida que não a política? É assim que se tratam os assuntos do interesse comunitário? Quem se julga o Presidente do Supremo Tribunal, para decidir de forma irreversível o fim de uma investigação, antes dela se iniciar? Acima da própria sociedade? Eu sei bem que muitos juízes sofrem dessa deformação, de pseudo-superioridade, legal e mesmo moral. Que não lhes reconheço apenas pela sua condição profissional. Ser juiz é uma profissão, e nem que fosse uma religião lhes reconheço essa superioridade. Aliás, foi bem patente a inferioridade, recentemente, pela decisão do Supremo Administrativo. Idiotice e ignorância. E muita falta do mesmo sentido comunitário!

É esta ausência de sentido comunitário que me deixa dúvidas sobre esta "sociedade", em ser isso mesmo. As acções não são interacções, mas apenas actos unilaterais, sem o envolvimento de membros da comunidade. 

Não julgo que consigamos ultrapassar grandes problemas, sem grandes atitudes, colectivas, em que toda uma sociedade se empenha. Sempre confiamos em poucos, para "resolver" problemas de muitos, de todos nós. E sempre nos desiludimos, pois precisamente o princípio é o mesmo: cada um trata de si e "dos seus".

Como se resolve? A tomada de consciência é o primeiro passo. Mas não descuremos a importância maior de alguém com carisma e respeitabilidade. Seria, no caso, o Presidente da República, mas temos uma figura amorfa, que apenas parece viver de glórias passadas, imagem irreal de si mesmo e aguardar pela aposentação definitiva.

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