Fundamentalismo
fun·da·men·ta·lis·mo
(fundamental + -ismo)
substantivo masculino
1. [Religião] Doutrina que defende a fidelidade absoluta à interpretação literal dos textos religiosos.
2. Atitude de intransigência ou rigidez na obediência a determinados princípios ou regras.
"fundamentalismo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/fundamentalismo [consultado em 23-08-2014].
Ninguém aceita para si a esta definição. E…no entanto, para os que soubermos ser honestos, connosco, parece-me que teremos todos um pouco disto, uma vez por outra, num ou noutro assunto.
Será uma defesa, será um resguardo, um reduto pessoal, quando dele necessitamos. Mas nunca será a atitude que nos leva a “aprender” e “apreender o mundo”, através do “outro”. O maior perigo, está de ver, é em colectivo.
Porque num processo colectivo, que começa pela divulgação de uma ideia, geralmente que rompe com o habitual, com uma rotina, uma tradição, ou costume apenas, mas que parte da identificação de uma eventual necessidade, melhor, de uma espécie de queixa ou descontentamento colectivo, um mal-estar social, ou nacional, partindo então para a instituição de uma ideia “revolucionária” e, depois para a sua divulgação, contagiando, como meio necessário, um vasto grupo social, com o objectivo último de alastrar a toda a sociedade. Ou mesmo cultura.
Num processo destes, que leva sempre anos a construir-se e ganhar visibilidade, condição essencial, a dada altura a sua sustentação é alimentada já pelos elementos contagiados.
A História recorda-nos tantas situações destas, muitas que ganharam tal peso que levaram a catástrofes humanitárias e a genocídios. Estes processos, diferentemente de algum que se forme em nós, de intransigência ou rigidez, na obediência a regras ou princípios, nesse caso pessoais, o que se poderia designar uma nuance mais frouxa de fundamentalismo, ou menos radical, sem eventual quadro psicológico grave associado, alimentam-se, os processos fundamentalistas colectivos, muitas vezes, de uma aversão ou um ódio visceral a um outro grupo, sociedade ou cultura.
Num processo pessoal, que não se reveste da mesma índole doentia, mas ao nível de desenvolvimento pode tornar-se prejudicial, ainda que temporário (observei-o em uma ou outra empresa, e parece-me identificável a nível de personalidades públicas, políticas ou não, com a arrogância, altivez, sobranceiras normalmente inerentes, o pior é a surdez aos outros, a cegueira a uma realidade. Mas o processo fundamentalista colectivo é que se torna preocupante.
É um fenómeno de massas, onde haverá sempre alguém a dado momento a querer impedir a sua desintegração, ou dissolução como fenómeno, a quantidade de contagiados é a maior barreira. Quer durante o tempo em que ele se alimenta a si mesmo, como se de uma doença física contagiosa se tratasse, quer mais tarde, quando surgem sinais de vacilação entre os membros de um grupo que o mantém, ou influências externas que o pretendem contrariar.
O grande perigo é nunca se saber como e onde “atacar” um grupo destes, com medidas de “contra-informação”, de “esclarecimento”, de divulgação de outras realidades, que dispensam a continuidade do processo fundamentalista, e são mais saudáveis e benéficas para todos.
Para melhor ilustrar o problema, pensemos na Alemanha de Hitler. Num processo que começou com as consequências para a Alemanha após o Tratado de Versalles e as reparações-indemnizações aos países da Tríplice Entente. De uma forma muito resumida, Hitler usou a se favor, do fundamentalismo que queria instituir, o descontentamento dos alemães, contra as resoluções do referido Tratado. Mais tarde, usou os Judeus como bode expiatório e solução para os emergentes problemas económicos, indo ao pior que tem a raça humana, quando o ódio se torna colectivo e todos o alimentam. O genocídio mais conhecido da História, talvez não o mais extenso, pois não se conhecem em detalhes e repercussão, ainda hoje os praticados por Estaline e Mao. E provavelmente outros, antes e depois destes.
A História não é perfeita, e ela mesma é uma conhecida vítima dos actos fundamentalistas.
Mas talvez o mais grave dos fundamentalismos seja o religioso, objecto de uma definição específica, como se viu acima. Referi o quase-fundamentalismo pessoal, assim mal definido, injustamente até, porque o colectivo surge, a dado momento, apenas numa pessoa, depois num grupo e uma sociedade. Felizmente que as nossas intransigências ou rigidez são de menor importância, no tempo e na extensão (danos normalmente para o próprio, talvez mais do que para outros). E nunca são o perigo de intransigências colectivas cegas e contagiantes.
O fundamentalismo religioso usa de convicções fortes em casa pessoa, de crença sólida e de medo dos outros, como se de uma ameaça a si se tratasse. É, pois, fácil de usar este receio ou medo, uma vez que a crença é um fenómeno de escolha e de procura, um fenómeno muito pessoal e íntimo alicerce de uma forma de vida. As pessoas que conheço com maior honestidade religiosa (quase todas as que conheço que são crentes) são boas pessoas. Não somos bons em tudo, óbvio. Mas de quem conheço, daria tudo para as defender, não sendo eu religioso. E o fundamentalismo religioso usa precisamente esta bondade, esta quase-ingenuidade por opção pessoal, ou melhor esta vontade de que cada um com a sua acção possa fazer um pouco, num cantinho qualquer, para tornar o mundo melhor, para tonar o mundo de alguém melhor, e para sentir também uma base, um Reduto seguro, uma Força, nos momentos mais difíceis, tanto quanto (já nem todas as pessoas) se sentirem agradecidas a um Deus, um “Ser” (Entidade) Superior, pelo bom que têm na vida, pelo que conseguiram, pela Felicidade atingida. O perigo, penso eu, a este nível pessoal, é deixar esta enorme carga de responsabilidade num Deus ou Entidade Divina, ou viver com uma resignação, que não faz parte da estratégia mental e de vida de um não crente, ateu ou agnóstico. Mas no fundo é outra coisa, que não um perigo. Ao que eu posso chamar de perigo, quem é religioso chamará de “porto seguro”, pela total confiança depositada no seu Deus.
Este não é assunto fácil, é fracturante, e polémico, e muito haveria a dizer, obviamente, correndo o enorme risco de uma análise demasiado simplista, mas não simplória, demasiado injusta também, mas parece-me importante nesta minha reflexão, pois o Fundamentalismo é afinal uma outra religião em si mesmo, que usa a Religião de um povo para o usar a ele, e atingir o fim do Domínio do Poder absoluto.
Não é, de certeza, a crença sólida numa religião, num Deus, como os normais que somos teremos, que conduz ao fundamentalismo religioso. É o uso pelos fundamentalistas, dos normais e mortais crentes, que os move e os identifica até. Não são os crentes os “culpados” de existirem estes fanatismos religiosos. A natureza de uma crença religiosa é exactamente contrária a qualquer fanatismo. Embora possa parecer muitas vezes o contrário. Aconteceu também com Thomas More, e Cromwell, numa Inglaterra que dava os primeiros passos para uma nova reflexão religiosa, mas onde algum fanatismo, ou fundamentalismo levou a perseguições e torturas. Aconteceu em Portugal em Espanha, com os Judeus. Contra os Judeus. Judeus que ainda hoje fazem uma análise histórica de povo perseguido, usando também eles agora de um outro fanatismo fundamentalista.
O Ocidente, onde as sociedade têm estado mais abertas (resta lembrar que foi a Cisão de Lutero que iniciou a reflexão, há quinhentos anos, para esta espécie de liberdade religiosa, onde é livre de o ser quem queira, e livre de ser descrente, ou ateu, quem o queira, mas obviamente sendo a religião um dogma, não se consegue ser religioso e constante crítico da mesma. Pode-se ser da entidade, da organização, da Igreja, ou da forma religiosa, do culto em si, mas não da essência) tem sido o alvo natural do fanatismo dos países onde o poder é religioso, fundamentalista. O Ocidente, assim definido um conjunto de países atípicos e não unos, mas com uma raiz cultural comum e até cristã, tem actuado muito pela força, das armas, em situações emergentes, e muito pouco na procura inteligente das raízes do fenómeno, e das estratégias mais adequadas para contrariar um fenómeno que ainda é crescente, quando se pensava estar debilitado pelas guerras dos últimos anos, e será ainda mais perigoso, para as próprias sociedades onde está implantado e para todas as outras, que sirvam o objecto do ódio colectivo, para assim manterem sob medo as suas próprias sociedades.
Outros factores podem tornar este fenómeno crescente numa ameaça dentro dos próprios países europeus e na América. O êxodo também crescente, dos países da região sub-saariana, e da própria Ásia islâmica, por razões de subsistência, cresceste desertificação, escassez de alimentos e ameaças à segurança pessoal e civil. Este tema, muito estudado por um reputado demógrafo alemão, não tem tido a atenção devida nas instituições europeias. Há alguns anos foi divulgado esse estudo, que agora não consigo identificar, onde se alertava para uma possível futura Europa com uma muito significativa população de culto islâmico. As populações dos países islâmicos não são radicais religiosos fanáticos. São pessoas normais, vítimas nos últimos anos de movimentos, esses sim radicais, que gradualmente têm manipulado os mais convictos da sua crença e contagiado pouco a pouco, com eventuais ameaças a início, e evidentes mais tarde, gente absolutamente normal, com a grande diferença para as nossas sociedades, de serem povos oprimidos durante quase toda a sua história e, ainda hoje, em países produtores de petróleo, passarem privações terríveis, viverem em condições desumanas, e até fome.
A estratégia do Ocidente para eventualmente conseguir estancar este fenómeno que alastra, tem de ser outra, e talvez passe pela identificação rigorosa das suas raízes e móbeis, e a implementação de novas medidas, que nunca a guerra generalizada. Os povos sob alvo, ainda sofrem mais, e as soluções nunca serão alcançadas.
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