A Lição da Chuva
Umas gotas transpostavam-no para o passado, com tudo ou que de bom e mau isso lhe trazia, outras empurravam-no para o futuro.
A cada gota que escorria, escolhia se era passado ou futuro, que trajecto isso fazia a sua mente percorrer.
Do passado...
Aquelas férias cheias e reparadoras em Marrocos, ou as de carro até Praga, onde se desvendara uma das cidades mais lindas que alguma vez vira. Ou de Veneza, a bela. Tantas e tantas recordações. Nem todas boas.
Futuro...
A gota ao lado, escorria rápido e levava-o a um futuro desejado, que terminaria com a solidão dos seus últimos tempos. Que o preencheria com projectos de ajuda e apoio a outros. Que lhe traria um sucesso profissional...
Mas outra logo se interpunha, ligando-se à anterior e dava-lhe o calafrio forte da sua maior desilusão, mas também, numa mistura de restringir o ar no peito, dos mais belos momentos de que se conseguia lembrar.
As gotas da chuva faziam-lhe a vontade ao pensamento confuso. Dividido. Entre extremos de sensações. Entre tempos distintos. Entre realidade vivida e sonhos sobre o amanhã.
De tal modo olhava as gotas no vidro daquela janela que perdera a noção do tempo e do espaço.
Não ouviu o estrondo e nem teve tempo de sentir o impacto do autocarro desgovernado que lhe entrava pela loja dentro.
Abrindo os olhos a esforço, raiados de vermelho, e com um zumbido ensurdecedor que o levava à sonora loucura, uma dor lacinante que lhe percorria a cabeça e...a insenbilidade do seu corpo...as gotas na janela já só tinham um significado. Todas se misturavam e a sua vida passava por elas em mínimas fracções de tempo. A vida literalmente num segundo. Anos e anos comprimidos antes de se voltarem a fechar os olhos. Anos e anos escorriam naqueles vidros. Ao seu lado debruçavam-se paramédicos e bombeiros. Uma amálgama de gente que pretendia pegar-lhe...
Acordando, levou os olhos a encontrarem-se com a janela, onde gotas e gotas escorriam, frias e tristes, líquidas e belas.
O sonho? Ou estivera mesmo acordado e tudo iria mudar com a visão da chuva? Tocou-se e todo ele era suor.
Levantou-se num salto e, nesse dia, não falou mais. E mal dava atenção aos outros. Isolou-se. Com a imagem forte da noite passada. Apenas olhava e se ocupava, silenciosamente, do que tinha em mãos e, do futuro que agora sabia ter de (re)construir.
Comentários
Gostei deste texto.
Bjs
Bjs