Produto social?

Somos um produto social? Alguns filósofos gregos, com Aristoteles em destaque, defenderam que o homem só é feliz na Polis. Em sociedade. O alcance desta ideia, que hoje nos parecerá muito lógica, trivial, é bem mais profundo do que à partida nos surge. Porque seremos uma realização da sociedade? Porque só nos realizaremos em sociedade? 

Os marxistas, repescaram esta ideia para reforçar uma espécie de necessidade das nossas manifestações ideológicas terem de passar pelo colectivo. Mas a sua intenção, ainda hoje, é a que eliminar o indivíduo, como origem de ideias, de iniciativas. Não porque, confirma a história, não o que dizem, sempre diametralmente oposto ao que fazem quando no Poder, pretendam que as decisões, mesmo as percepções e análises, sejam do colectivo, mas para que, sendo todos o mais "iguais" possíveis, alguém os lidere sem esforço. Claro que é uma utopia, que resulta sempre no uso da força, da coacção, da fiscalização de cada cidadão, na sua "re-educação" forçada. Mas a ideia da necessidade do colectivo está lá, embora muito distorcida, em favor de uma lavagem intelectual colectiva, na senda da criação do que em tempos chamaram do "homem novo". Mas os marxistas sempre tiveram esta intenção de tudo re-escrever no mundo: o Homem, a sua História. Sub-repticiamente, os nossos manuais escolares, pelos quais aprendem os nossos filhos (e antes nós por outros igualmente manipulados, por sinal oposto), intentam sempre na re-escrita de uma História, onde tudo de bom vem de "esquerda", tudo de mau, de "direita". E esta conspiração intelectual real tem sempre passado de Ministério a Ministério, sem nada se alterar. Uma vergonha e uma deformação e distorção da Democracia, como ainda hoje se nota. Não temos, nem devemos esperar uma Democracia autêntica com esta manipulação intelectual e cultural, socialista e maçónica, da nossa sociedade. Mas há quem diga que eu exagero. Pois até exagerarei mais: penso que em Democracia nenhum Partido Comunista devia ser legal! Ou teríamos de ter no extremo oposto, algum Partido também. Mas por mim, ninguém que defenda, ou esteja ligado a quem instaurou um regime ditatorial, deve participar da Democracia, de forma livre. É uma perversão inadmisível e que distorce perigosamente uma Democracia. Mas reconheço que a ameaça actual da Democracia até vem dos Partidos maiores, que em princípio são democratas. 

Feito o parêntesis (deformação pessoal...) vejamos até que ponto seremos produto social, sabido que o somos da nossa tradição familiar, do nosso ambiente cultural histórico, que herdámos tanto de tantas gerações antes de nós, e que tudo isso se inscreve no nosso inconsciente de forma, diria, impressionante. Uma experiência há uns anos, com bebés, demonstrou que logo às primeiras semanas  sabemos distinguir entre uma coisa boa e uma má. Simples imagens de uns bonecos que tentavam subir uma colina, onde um deles contrariava essa tentativa, os bebés reagiam mal ao mal intencionado. E outro "boneco" que ajudava os demais a subir, eram a escolha dos bebés. Um princípio ético positivo (a ética todos temos, pode ser positiva, boa, ou negativa, má), e uma moral (a acção na sequência de uma ética) logo inscrito na nossa genética e com imediatos reflexos nas nossas atitudes? Pois sim. Talvez os "memes" que Dawkins identificou e criou o termo. Herança cultural. 

Mas se assim se trata de uma herança cultural, não a devemos, em teoria, apenas ao ambiente familiar. Porque, por um lado, nem sempre os nossos progenitores e todos os seus antepassados, terão vivido pela mesma ética e moral, podendo isso ter sucedido ou não, nem algum de nós é impermeável  à sociedade onde vive.

Na realidade, a sociedade é o nosso campo de acção, mas também o nosso espelho preferencial. Por pormos à prova o que dizemos, ou pensamos, o que fazemos, vamos prosseguindo, ou vamos alterando as nossas acções. Não queremos ser rejeitados pela sociedade, mas pelo contrário, queremos a sua aceitação, aprovação. Trate-se de um grupo, o nosso grupo, ou, numa acção de maior alcance social, muitos grupo, a sociedade em geral. Podemos muitas vezes prosseguir num determinado caminho, contra a aceitação tácita do nosso grupo (profissional, amigos, família, um deles, ou todos), mas sempre teremos a noção, por vezes incomodativa, da má aceitação do que fazemos pelos "nossos". O que não nos deixa confortáveis e, provavelmente, um dia, corrigimos o caminho. "Só somos felizes na Polis". Podemos se-lo fora da Polis, mas tal exige de nós um esforço e um compromisso que nem todos seremos capazes de conseguir suportar. Geralmente o isolamento, por opção. (não tendo de ser total).

Esta uma das razões, muito fortes e determinantes, pela qual fazemos escolhas sociais, pela qual preferimos espontaneamente rodear-nos do sucesso, dos outros, nos outros, e tendemos a afastar-nos do insucesso, ou da depressão de alguém. E só os mais inteligentes, os que já reflectiram sobre o seu papel no mundo, e se inserem na vida com uma forte segurança pessoal, ultrapassam este "preconceito" social. Porque o nosso inconsciente, sem que o saibamos, faz escolhas por nós, cataloga as pessoas, o que nem é bom, nem mau. O inconsciente não decide tudo por nós, mas funciona a uma cadência duzentas vezes superior ao consciente, criando percepções e tendendo a decisões, muito antes do consciente nos dar algum sinal sequer do que observámos, ou das escolhas que iremos fazer. Se o inconsciente se identificar pelo Sistema 1, e o consciente pelo Sistema 2, como alguns psicólogos e investigadores o fazem, diremos que os dos Sistemas funcionam em coordenação, mas não perfeita, porque na maioria das situações o 2 nem actua. Esse é o que funciona quando algo de mais importante e decisivo o solicita. Não nas situações em que, por exemplo, afastamos alguém de nós porque o seu aspecto não se enquadra em "padrões" que com o tempo fomos definindo.

Pois, o inconsciente, responsável poderoso pela grande parte das decisões mais básica e automáticas que fazemos, umas provenientes dessa cultura familiar e social, outras pelas que a vida nos vai permitindo construir numa espécie de "cultura única e pessoal", é o que mais nos empurra para o interior de um grupo, ou nos deixa apenas nas suas fronteiras. E é muito por aqui, claro que com o sistema 2, a funcionar e corrigir impulsos e decisões do 1, sempre que alguma coisa nos exige mais reflexão, que somos e nos vamos enquadrando como produto social. 

Procuramos sentir a realização por parâmetros socialmente aceites. O que, quando temos "sucesso", por esses parâmetros medido, nos dá um sentimento de realização e felicidade, e o oposto nos frustra e até nos torna menos felizes. Mas o nosso cérebro tem mais armas do que podemos imaginar, e se formos abertos o suficiente, encontramos alternativas a algum insucesso, tal como o vemos, ou julgamos os outros verem em nós. Um tanto condenavelmente, dependendo da ética e moral de cada, e do seu grupo, não nos deixamos ligar a alguém que não aufere de uma posição social respeitável, ou estável, com algum mérito ou sem ele, mas cujos padrões sociais do nosso grupo, ou da sociedade em geral, nos indica ser alguém respeitável. Perverso? Talvez? Mas tudo se refere a uma inserção, pois pretendemos "fazer parte", e não ficarmos à margem de qualquer grupo. E só um esforço intelectual particular, nos leva a não rejeitarmos alguém que não está catalogado pelo sucesso, pelo instituído "respeito" social. Esforço não ao alcance de todos. Mas é esse tipo de esforço que vence preconceitos raciais, sociais e profissionais.

Mas há o extremo oposto. Quem se ancore no sucesso de outros, nem procurando o seu próprio. Nessa senda se insere boa parte de uma educação tradicional muito conhecida, mas pouco reconhecida. O caso de quem pauta toda uma vida por procurar juntar-se a quem tem posição e poder económico. Parece-me que pelos dias de hoje, acontecerá menos, mas ainda podemos conhecer alguém que assim escolhe viver. Desistem de si, pelo que são e podem ser, e agarram-se a alguém que serve a imagem de sucesso que procuram, não em si, mas nessa outra pessoa. E, claro, o oposto, em gente madura e que reflecte por si, por si luta e por si faz escolhas. Mas essas são de outro cariz, e os seus grupos, são constituídos por pares da mesma mentalidade: gente que por si pensa e actua, gente que procura uma independência, sem recusar uma inserção social. Antes procurando-a pelos mesmos motivos. Essa procura, de pares de si mesmo, é uma procura de Eros. Eros não reflecte apenas um aspecto erótico, como na actualidade se tem identificado. Na antiguidade grega, Eros referia-se precisamente a esta identificação, tendo a ver com amizade, com o amor que temos pelos amigos, tendo a ver com padrões que identificam e aproxima e juntam pessoas, com algo em comum que seja suficientemente forte para manter coesão. Os grupos, por definição compõem-se de elementos com algo ou muito em comum. Uma micro ou macro cultura comum. É Eros que os une.

Também há quem procure sucesso e realização, mas por circunstâncias diversas, não ao alcance do seu controlo, não o almeje, porque o grupo em que se inseriu é o errado para si. A frustração profissional vem muito por aí. E uma sociedade em crise está cheia de casos destes, às centenas de milhar, aos milhões, todo um país. Porque os seus paradigmas foram sendo desenvolvidos para servir muito poucos, e a grande maioria fica fora, marginalizada e infeliz, com dificuldades várias. Quando assim é, e é o caso português, só uma profunda revolução social, com tempo ou forçada a um só tempo, pode ajustar esta frustração da maioria. Foi o caso da Revolução francesa de 1789. Mas que num primeiro momento até se tornou pior, dado o extremismo oportunista e violente que se gerou. O risco de qualquer Revolução. Quando ela não surge, a maioria de nós vai-se arrastando pela vida, procurando compensações em grupos mais exclusivos, onde os elementos procuram um Eros comum.  Mas tudo depende nas nossas próprias expectativas e da importância que damos a cada componente da nossa vida: se a profissional, se um hobby, se um grupo de amigos, se os nossos tempos livre, se numa actividade que até pode ser mais do que um hobby, por criativa e geradora de uma alternativa de realização pessoal e profissional. Da nossa flexibilidade e inteligência, da nossa energia ainda em reserva, depende esta segunda oportunidade de realização.

Somos parte do social e produto parcial dele. 

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