O que a vida não nos dá

Nós humanos parecemos andar pela vida à procura de um segredo qualquer, que um dia nos traga uma felicidade incontável e maior do que somos. Construímos ideias e ideologias, religiões e crenças,  teorias pessoais na demanda de uma verdade universal, não tanto universal quanto isso, para alguns, mas que lhes sirva como uma carapuça à medida para o seu fim pessoal. Um fim louvável, claro, e ainda mais, legítimo, de encontro com uma felicidade toda a vida procurada.

Os budistas, tidos como superiores, pelas suas práticas contemplativas e de sereno isolamento, têm como base da sua filosofia de vida e de procura de algo superior, que só atingimos esse patamar elevado, o Nirvana, quando nos libertamos totalmente do Ego. E julgam consegui-lo. Não usam, no entanto de um modo de vida que lhes permita testar isso mesmo, nem sequer se expõem à prova dessa convicção, antes fugindo à contemporaneidade, e ao quotidiano, uma forma de anti-depressivo que mascara a sua protegida realidade. Também são eles que propagam, como espécie de argumento incontestado hoje por quem vive o que se tem vivido nos últimos tempos, que toda a a vida é sofrimento. Mas vivem em consonância com uma religião que procura essa felicidade, que dizem não se alcançar.

Procuramos uma felicidade, ou até vamos dizendo a nós mesmos e aos nossos, que já deixámos de a procurar, numa resignação não totalmente genuína. Mas esperamos que ela apareça, como a chuva ou as tempestades que nos surpreendem. Sem o dizermos, vamos esperando por esse determinismo, algures registado, num qualquer livro insondável, por um Deus, ou um Arquitecto do Universo, por Algo superior, dependendo das nossas crenças.

Muitos de nós, a maioria, rejeitamos uma outra forma de vida, sentido uma aversão quase próxima do visceral e enjoativo, pelos que se dizem ateus. E nem nos perguntamos porque alguém se tornou ateu, ou pensa sê-lo. Provavelmente por de alguma forma ter descoberto que o encontro com essa felicidade não lhe vem de uma Providência qualquer, mas do seu esforço pessoal, nunca isolado, mas em sociedade, onde tudo se faz.

Por isso não entendemos os que traçam caminhos e voltam atrás nos mesmos, por se terem dado conta de o novo caminho iniciado não o conduzir a nada. Ou não entendemos a desistência na demanda, da maioria de nós, e o grau de infelicidade atingido, pela mal sucedida procura da felicidade. Pouco mais procuramos pela vida. O amor, o sucesso, a realização, o riso, o prazer, são formas de a procurar. A felicidade. Que a vida não nos traz. E temos nós de procurar. Em geral, não a encontramos, mais do que por momentos breves. Mas julgo que alguns encontram.

Vamos dizendo uns aos outros que para encontrarmos esse grau elevado de realização na vida, essa Felicidade, devemos exigir pouco, exigir de nós e de outros muito menos do que habitualmente fazemos. Mas não há receitas, nem comparativos que nos permitam dizer o que é menos do que alguma coisa, o que é demais ou que nem nada é. O que é exigir menos? E menos é um comparativo. Com o quê? É nos outros que devemos procurar um padrão, ou em nós mesmos e no que julgamos ter feito e procurado antes? E o antes, é desde quando? E refere-se a quê? Mais ou menos material, mais ou menos imaterial?

A vida não é uma Providência e uma Sabedoria em si mesma. Não nos trará um Segredo qualquer, uma Receita, para um dia almejarmos o que até esse momento não tínhamos conseguido obter. É em si mesma uma procura, como tantos filósofos o têm defendido, e não passará muito disso, apenas.

E, que se desiludam os que o tentam fazer sozinhos. O ser humano só realizou efectivamente em colectividade. A genialidade que parece vermos em ilustres figuras da nossa História não foi, e não é, mais do que um intenso labor de procura incessante, por uma vida inteira, de melhor e mais realização. Essa perfeição que nos parece vermos em seres que julgamos inspirados, só se distingue da nossa "normalidade" ou mediania, pelo intenso trabalho de uma vida. Na procura de mais e melhor, intelectualmente.

E nunca há dia para desistir. Mas sempre para continuar.

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