Mobilidade social
Basicamente é assim. Saímos de casa, numa apressada rotina. Vemos todos os demais, que não são apenas demais, mas pessoas com todos os problemas, sonhos ainda, sonhos que já eram, sentimentos, emoções, ansiedades, desejos, aspirações.
No autocarro, no comboio, no metro, na estrada ao nosso lado, são pessoas como nós, que ainda têm ou já desistiram de ter esse sonho de um dia...poderem ter...melhor vida.
Nos Estados Unidos, têm-se publicado vários livros sobre o velho sonho americano, sobre o sonho de um dia qualquer um poder aspirar a uma vida melhor. O sonho da mobilidade social. Poder subir na "escala" social, ter mais poder de compra, mais margem financeira pessoal, um futuro mais assegurado eventualmente, um dia a dia com menos ansiedade, maior segurança em termos financeiros. E, recentemente, os grandes economistas, os que são livres pensadores, pelo menos, têm concluído e escrito que esse sonho americano se esfumou. Se alguma vez existiu mesmo.
Não será muito difícil entender que o mesmo se passa na Europa. Mas há uns bons anos, os regimes democráticos europeus nos brindaram com uma outra possibilidade, ou realidade. A social-democracia, que pelos seus caminhos mais equilibrados, não permitia que o Estado desistisse da protecção dos mais pobres, dos menos capazes, ou dos que menos oportunidade conseguiram ter, ao mesmo tempo que permitia uma economia de investimento económico e de crescimento baseado nas empresas familiares e na classe média. Foi na classe média que assentou o grande desenvolvimento de todas as mais ricas economias europeias e mesmo a dos Estados Unidos, e de qualquer outra economia pelo Mundo. Nunca foi no poder oligárquico das grandes multinacionais, ou na plutocracia. Mas hoje, tudo é bem diferente.
Mudou o paradigma, com a destruição da classe média, precisamente. Mas se mudou nos Estados Unidos, muito mais se alterou em algumas economias da Europa, mas numa, em particular, provavelmente de forma bem mais demolidora: Portugal.
Se em Espanha muito se destruiu, e uma grande faixa do povo espanhol não mais terá emprego até morrer, porque assim será, ainda assim nos anos que hão-de vir, as possibilidades são outras. E pelas razões opostas às que políticos, banqueiros e grandes empresas propalam, vergonhosamente, e com o nossa passividade, permitimos. Por todo o lado se luta e pratica, mais ou menos, pelos juros baixos, pela possibilidade de novos negócios, de novas oportunidades. Mas não em Portugal. Por cá, elaboram-se cada mês, programas de empreendedorismo para apenas consumo dos ainda subsididados pela segurança social. Ou para consumo de recursos pessoais. Nada mais. Nem uma entidade aredita e deposita confiança num empreendedor. E nunca, mas nunca, haverá qualquer possibilidade de alteração do modo de vida de quem já quase desistiu do sonho, de apenas vir a ter uma subsistência, muito menos de poder vir a ascender socialmente, por via da melhoria das suas condições de vida.
Quem matou o sonho português, se de facto ele existiu? Mataram todos os que sequestraram a economia e o país: bancos, grandes empresas (todas), grandes empresários (todos, sem qualquer excepção) e Partidos políticos (todos, sem excepção). Como?
Com os juros elevados, apenas com preocupação de grandes lucros, nunca reeinvistidos internamente. Com preços elevados em tudo, desde a distibuição geral (alimentar, vtesuário, automóveis, etc). Políticos, com os gastes desmesurados a auto-atribuição de condições de vida de luxo totalmente imerecidas. Tudo praticamente é mais barato na Alemanha ou em qualquer país mais rico, com excepção de alguns bens alimentares, mas na restauração, que não nas cadeias de distribuição, onde sempre se paga menos do que em Portugal. É mais barato adquirir um automóvel numa Alemanha, onde se aufere, em média, quatro vezes mais, ou uma cerveja, um chocolate, um quilo de arroz, um queijo, uma salada. Uma mensalidade de serviço de Televisão ou internet (as comparações são propositadamente difíceis). Um telemóvel, uma hora de energia eléctrica, um dia de aquecimento (que existe por lá, de facto, e não por cá, de facto). Um litro de gasolina ou gasóleo. Ou mesmo um dentista, especialmente um dentista. Claro que é generalização. Mas é estudar o tema, há por todo o lado estatística e é mesmo assim, em média. Publicarei um estudo mais factual, brevemente.
Se o sonho morreu em Portugal, não morreu nem em Espanha, nem em outro lado qualquer, talvez com excepção da Grécia, onde ainda se faz por matar o que resta. Por cá, quando sairmos à rua para trabalhar, iremos frustrados amanhã sempre mais do que hoje. Porque será mais um dia do mesmo, mas menos um de esperança ou de vida.
Nem um Partido político quer, consegue ou sequer sabe inverter isto. Não querem saber. A preocupação será sempre com os nossos empresários da Banca, da massa e do arroz e da colecta de impostos sobrepostos (como nos automóveis, onde também somos excepção mundial). Tudo se paga mais em Portuga, e sempre se ganha menos.
Assim se aniquila o sonho e se retira toda e qualquer hipótese à mobilidade social. Mas um político ao ler um texto destes diria..."nem quero saber, tenho o meu futuro, o meu" e um "grande gestor" português até pensará pior: "mas que pretende esta gente com isto de querer vida melhor, se não têm o meu nível e categoria?". Um gestor ou político alemão, pensará ou mesmo dirá em alto e bom som "que isso da aspiração a melhor vida é para uma raça superior, um latino nunca". Nem duvidem, pois por mais que tenha visto e veja, encontro sempre o mesmo.
Hoje, menos do que amanhã, verei mais gente desanimada, revoltada, deprimida, pelas ruas e pelos empregos. Mas que nunca nada farão, nem sequer pensarão.
É demasiado pessimista? É abrir os olhos, por favor...
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