A verdade e a sensação de felicidade

Dan Gilbert, psicólogo de Harvard é conhecido pelas suas pesquisas sobre a nossa percepção de Felicidade.

Gilbert chegou à conclusão que não temos mesmo a noção do que temos como Felicidade, do que nos faz felizes. Surpreendente. Se perguntarmos a alguém porque se sente feliz, normalmente a pergunta apanha a pessoa desprevenida. E normalmente, diz Gilbert, a resposta é uma recriação, muito pouco correspondente com a realidade.

O nosso cérebro é o único capaz de criar imagens e sensações e quase adivinhar o nosso estado de espírito perante um acontecimento que ainda é futuro. Somos capazes de "sentir" um toque, num tecido, ou um sabor de uma comida que ainda não provámos, um odor que nem ainda cheirámos. Não parece assim tão surpreendente, mas é. E esta interpretação da felicidade é, segundo Gilbert, mais uma criação mental do que, com frequência, uma percepção ou uma noção real.

Provavelmente, Gilbert não inclui a sensação de felicidade perante sentimentos forte, excepto se sentidos a um, ou seja, se não confirmados, como é o caso de um amor, pelos dois confirmado. Uma das razões da própria necessidade de confirmação, constante e difícil de manter. E, ainda, razão, porventura, porque as coisas podem falhar quando a confirmação falhar. Por confirmação, pode-se incluir tudo. Desde as palavras trocadas, como os sinais, positivos, como os sinais negativos. Nestes, a sensação de desconforto quando alguém que sentimos e até sabemos ter na nossa companhia o verdadeiro prazer, ou a expressão mais forte de amor, divide parte desse prazer com outras pessoas, sem que a divisão implique sequer a divisão de sentimento igual. Ou seja, sentimentos fortes e cruciais, como amor, lealdade, amizade sem cobrança alguma, podem ser comprometidos se não houver confirmação recíproca. Mas a nossa noção de felicidade, porque passa em grande parte por uma criação mental, tal como vermos o que nos dá jeito ver, perturba a clareza do próprio sentimento.

E, nesse caso, penso que Gilbert tem razão. Construímos uma noção de felicidade, tal como construímos o próprio mundo. À dimensão de como queremos que as coisas sejam.

Apesar de termos outra noção, acima explícita, da realidade pelos olhos de outra pessoa. A felicidade que sentimentos forte nos pode transmitir necessita bem mais, porventura da confirmação da razão dela existir, pela palavras, actos e continuidade pela pessoa objecto do sentimento que temos, do que por uma noção nossa, autónoma. O que contradiz a expressão que todos conhecemos de que "amamos mesmo sem que nos amem". Diria quase sem uma impossibilidade. Sê-lo-á seguramente. Se assim analisarmos, e assim crermos serem as coisa, então o Amor, ou a Confiança, a Lealdade, não são sentimentos e atitudes altruístas, como é comum e socialmente correcto dizer-se, mas antes egoístas, pois necessitam de correspondência para existir. E a felicidade que tais confirmações nos pode dar, estará ligada umbilicalmente a esse egoísmo saudável e desejável, única forma de amarmos e sermos amados. O amor não é altruísta até por se demonstrar ser um sentimento social, não individual. Existe se estiver ligado a ser recebido e não apenas oferecido. É onde falham muitos textos românticos e clássicos, que em tudo o mais exprimem bem as intensidades e vivências do sentimento. Por tal ligação da felicidade que o amor nos pode transmitir a outros sentimentos, como lealdade e confiança,  que nunca podem ser menos do que totais, como o amor em si, a necessidade da mesma ligação é fundamental.

O nosso cérebro consegue criar e recriar e antecipar sensações, mas quanto a sentimentos, pode apenas adivinhar, mas a necessidade de confirmação terá de vir de um outro cérebro, precisamente do objecto do nosso sentimento.

Não se estranhe, pois, a coexistência do ciúme, que tentamos conter e controlar a bem da persistência e vida do sentimento, mesmo com as mais pequenas coisas, como a divisão ou partilha de tempo com outras pessoas, por quem nem temos sentimos do mesmo valor, nem disso se aproximam. Não se estranhe que a noção de felicidade no que a sentimentos respeita, tenha de viver em igualdade de valor e intensidade com confiança e a sua prova cabal, a lealdade. Não há pois meios amores, ou amor por algumas coisas apenas. Tudo é absoluto, a partir de um dado momento ao menos, ou não é, simplesmente, nada.

A felicidade por via de amor, é uma necessidade em si mesma. Não uma casualidade.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Millennium de Stieg Larson: Os homens que odeiam as mulheres

A memória cada vez mais triste do 25 de Abril