Se um dia houve um sonho

Portugal teve um sonho? Terá Portugal algum dia sonhando mesmo com um nível de vida europeu? Quantos de nós acreditamos ainda nesse sonho de virmos um dia a ter uma "vida europeia", num espaço geográfico e social que se medisse pelos padrões europeus?

Quando há uns bons anos falava com colegas espanhóis, na empresa onde trabalhava, tínhamos em comum esse sonho de uma Europa que fosse o nosso espaço. Uma Europa que fosse o nosso continente, não apenas geográfico, mas cultural, económico e social. Os ibéricos vinham sofrendo de demasiados anos de isolamento, resultado de ditaduras que tardaram em ser arredadas. Seria assim o sonho europeu, um sonho ainda mais desejado. Talvez. Seria também mais difícil de ser alcançado, provavelmente. Por demasiado tempo fora de um ambiente social de padrões de exigência superior aos habituais nos nossos países.

Mas o maior problema foi o desejo se confundir com a capacidade de realização. Os países ibéricos, e ,como sabemos agora, não apenas, mas ainda a Grécia, e ainda que já pertencendo a um espaço económico bem mais europeu, em certa medida, a Itália, não estavam preparados para uma Europa com hábitos económicos bem diferentes, comportamentos laborais distintos e uma exigência pessoal, na preparação, na organização e nas expectativas, totalmente diferentes, também, ou mesmo opostas.

Pela minha interpretação, as exigências de portugueses, de espanhóis e de gregos, também se confundiram com um tardio despertar para uma realidade que a Europa já havia vivido: os anos do confronto político e social com as ideias marxistas e comunistas. Não estávamos preparados para nos inserirmos num espaço em que a exigência profissional, empresarial e política era bem distinta. A culpa...essa seria de todos, como ainda muitos recusamos que seja. A culpa é do mesmo teor e do mesmo peso, imenso, que a culpa de termos hoje os políticos que temos. Não exigimos de nós mesmos, não sabíamos, como não soubemos, exigir dos outros. Mesmo dentro de portas, com os nossos Paridos, hoje dominados pelos mais medíocres dos quarenta anos de políticos que vimos tendo.

Mas esta análise parece falhar, quando vemos e reflectimos na classe política europeia, ela, afinal, também, repleta de políticos de mediana capacidade, quase ausente visão, sem projecto definido, gente que parece reunir-se para cumprir calendário, muito mais do que para ajustar uma visão comum para um futuro comum, com medidas concretas e eficientes. Uma deriva. A total perda de um sonho.

Se foi o sonho português um dia, poder ter uma vida de nível europeu, com mais elevados padrões, não se viu por cá como, com o povo desinteressado na sua própria evolução, negando qualquer esforço de melhoria, pelo lado da educação, do conhecimento, da cultura e do comportamento social. Viu-se, como se vê, um povo que não se respeita, desde a pequena sujeira nas nossas ruas, o pequeno furto ( tão conhecido exemplo de ser impossível termos uma caixa com jornais nas ruas, de onde se retira o jornal e se deixa a moeda, sem roubar todos or jornais ou vandalizar a caixa...como se vê por todo o lado, nos caixotes de lixo, nos grafitis selvagens, nas mais diversas manifestações de vandalismo menor, apesar de termos cidades bem menos violentas do que a generalidade de países por esse mundo, ou mesmo pela Europa), até à recusa em participar no seu próprio futuro, com evolução dos seus conhecimentos pessoais, em geral, e em particular em termos de política, intervindo, responsável mas decisivamente. Se não soubermos formar uma ideia, por mais ténue, do que queremos para nós e para os nossos, para a sociedade e para o país também, como o seremos para os políticos que queremos escolher? É por isto que duvido da verdadeira "utilidade" de eleições como as temos tido.

E assim se pode ir esmorecendo e desvanecendo o sonho, se chegou a existir.

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