A mente social
Quando estudamos a evolução humana, normalmente pelas ferramentas das ciências sociais, há aparentemente um aspecto que deixamos para trás. O do conhecimento do próprio cérebro, que ainda começa a ser desvendado.
Até 1950, antes de Roger P. Sperry da Universidade da Califórnia, a ciência assumia que um cérebro inteiro, com dois hemisférios tinha um mais avançado do que o outro. Incrível, não? Aos dias de hoje, a quem não parece isto inacreditável? Antes de Sperry ter apresentado os resultados de testes efectuados em pacientes com epilepsia, a quem tinha sido removido o corpo caloso, que une os dois hemisférios cerebrais, o cérebro era assim visto: Paul Broca nos anos de 1860 e Carl Wernicke tinham descoberto que o hemisfério esquerdo tinha a capacidade da linguagem.
Coloquemo-nos no lugar destes dois investigadores neurologistas. Não é a linguagem um dos aspectos que mais nos distancia dos animais? Não haverá quem não concorde. Nestas premissas, reside uma das vantagens, e igualmente uma das limitações do raciocínio científico. Onde a Filosofia pode dar uma achega fundamental, julgo.
Assumiu a comunidade científica, ainda com base nos pressupostos filosóficos até à época mais aceites, que no que nos distancia dos animais reside a nossa maior vantagem. A linguagem é um desses aspectos diferenciadores. Logo, atribuída ao hemisfério esquerdo, ele só podia ser o hemisfério privilegiado, e, por consequência, o direito, o irmão pobre. Uma espécie de cérebro a meia capacidade. Ou seja, andou uma humanidade inteira a usar meio cérebro, com o qual acabara de concluir, até aos anos 50 do século XX que com apenas essa metade chegara a brilhantes conclusões.
Serve este raciocínio para muitas coisas. A mais polémica e fundamental, a de que estudamos a mente com ela mesma. E imagine-se agora tirar conclusões ( e estabelecer dogmas!) com esta assumida limitação. Ou não assumida, mas verificada.
Com Sperry algo mudou, mas o cérebro já era o mesmo. Mudou a forma de o vermos, pelo menos a comunidade científica. O hemisfério direito era agora uma massa útil. Mas atentemos. Calcula-se que o cérebro possui cerca de cem biliões de células nervosas e cada uma delas se liga a cerca de dez mil outras. Mais ou menos cem biliões de interligações. Das quais a metade não era, digamos, de importância maior. Não que não tivessem uso, mas que regia por exemplo as emoções e essas eram factos menores, pois o pensamento sequencial e o domínio da comunicação pela linguagem era o aspecto distanciador entre seres humanos e animais. Esta preocupação, se não meramente científica, era fundamente à época. Sermos diferentes dos animais. Como se óbvio não fosse e apenas o tido como pensamento lógico-dedutivo, a razão, fosse a fronteira decisiva.
E é isto que ainda hoje, em geral, se observa. A valorização dessa razão face ao pensamento holístico, à visão de conjunto, às emoções. Há uns anos, a emoção como vertente mental dominante e distanciadora face aos animais (que ainda se designam de irracionais) ganhou terreno, psicólogos de todo o mundo elaborando conceitos, investigando e publicando as suas conclusões favoráveis a uma mente onde a razão não era sinónimo de superioridade intelectual. Tal como com a supremacia racional, a emocional tomou a vantagem, pelo prismas de novos investigadores. Um dos expoentes foi Howard Gardner, ainda hoje um respeitado e muito seguido psicólogo de Harvard. Daniel Goleman foi mais mediático e ficou famoso pela divulgação da Inteligência Emocional. Mas estes não se verificaram ser dos mais intrépidos defensores de uma nova supremacia, a do hemisfério direito.
Pelos dias de hoje, porém, a Mente humana começa, finalmente a ser entendida de forma mais abrangente, os seus dois hemisférios sendo então aceites como igualmente importantes e complementares. Um dos exemplos mais simples que li, foi o de um casal a preparar um jantar a dois, em que o homem verifica a dada altura não ter os ingredientes mais importantes para o elaborar. Com expressão algo irritada, olha para a mulher e diz “vou ao supermercado”. O hemisfério esquerdo apenas consegue entender a sequência lógica de palavras e não a emoção com que são ditas. O hemisfério direito interpreta a expressão facial. Um paciente com uma lesão, num dos hemisfério apenas iria interpretar o que o hemisfério saudável lhe permitisse e, assim, “vou ao supermercado” era uma ida simples...ao supermercado, sem se entender se a bem, se num acto de indiferença, ou num ambiente de crispação. O hemisfério direito, interpretaria a saída de casa do homem como algo a contragosto, com desagrado, ou muita irascibilidade.
O exercício que me proponho não é simples, podendo ser impossível.
É o cruzamento destes actuais conhecimentos sobre a Mente humana e, por simplificação, apenas nesta interpretação funcional de cada hemisfério, não tendo em conta todo o mundo ainda muito conhecido da nossa capacidade intelectual, com o tão parcial e distorcido conhecimento sobre a evolução humana, evolução das sociedade, escolhendo um âmbito qualquer por necessária prática analítica. Concretizando...
O comportamento económico. O comportamento político terá acompanhado todo este potencial intelectual que todos temos, e em que as diferenças de uns para os outros se devem a muito subtis distinções de funcionamento cerebral, com uma imensa ajuda de experiência de vida, conhecimento e...trabalho. Trabalho intelectual.
Eu acredito numa interpretação, sem provas para tal. A libertação intelectual, conjugada com a vontade, a determinação e o grande prazer pelo desconhecido, pela exploração da própria mente, podem desvendar uma capacidade em alguns de nós e deixá-la adormecida em tantos outros de nós. Nisto, uma ajuda preciosa da visão de conjunto, especialidade da direita, digo parte direita do cérebro, holística e interpretativa por oposição a uma limitada análise sequencial, será fundamental.
Se a cada disparate praticado por figuras públicas muito bem apetrechadas de experiência e auto-limitadas nos pusermos a observar, reflectir e apenas tentar o exercício do entendimento dos comportamentos, e se extrapolarmos aos acontecimentos históricos que nos trouxeram até aqui, pelo menos nos poderemos deparar com uma visão nova das coisas, eventualmente esclarecedora e decisiva para tomada de posições que hoje nos parecem, à luz de muita superficialidade, descabidas ou indiferentes. O resto, a cada um compete, evidentemente. Como se fosse viável, depois desta singela reflexão, qualquer evidência.
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