A tentar ler Mário Cláudio

A tentar ler...

Nos silêncios se revelam mais palavras do que no uso delas? Não sei se alguém, alguma vez o disse. Mas nos momentos raros de silêncio, a corrente selvagem dos pensamentos pode conduzir-nos a algum lugar, dentre tantos sem definição qualquer.

A vontade de fazer algo de novo, escrevendo, que se adia, perante as notícias que se ignoram, as companhias de que nos ausentamos, por nada mais do que procurar o vazio recuperado da ausência de palavras, actos e compromissos que se não pretendem, de que não nos queremos ausentar, por nada mais do que vermos todo um mundo cheio de tanta sensação que não se consegue explicar, ou não se quer, cabalmente. O mundo está louco todos os dias, e nos mesmos lugares de exercício de loucura premeditada, uma, duas, milhares de histórias de bom senso e de amor podem estar em simultaneidade. O mundo que se lê, na Síria, como na Venezuela, na Rússia, como no Brasil, em fragmentos de misérias, grandes e pequenas, por toda a Europa das Civilizações, esse, deve, só pode estar louco, e pelos intervalos, mais esforços de ignorar a loucura, saltar para o mundo do lado, ou dos antípodas, saltar apenas em estado não físico, lutando, aguardando e regressa-se a Mário Cláudio, escritor que nos deve recentrar no pensamento lúcido, culto e arrumadinho.

De arrumadinho se espera despertar. É o tal Outono e as suas partidas. E nem se "ligam as notícias", o pensamento a algumas centenas de quilómetros, no que parece tão perto, mas como todo ele é ar, e depressa está no drama que continua pela Síria, como nos agora esquecidos do Afeganistão, ou dos totalmente irrecordados da Albânia, o drama crescente no Brasil, país de todas as violências. O desarrumo que voar até essas centenas nos traz, o vazio que mais alguns milhares nos pode trazer. Há,  só nós sabemos, um segredo que se quer revelar, ou um segredo que não se pode desvendar, a sua natureza deixando de a ser. Há Facebook que nos maça e desgasta. E o livro ali mesmo ao lado. Espera. Enche-te de silêncio. A sociedade é poluição sonora, os sentimentos uma caverna de quietude.

O escritor é velho, diz Mário Cláudio. E nem foi ele que escreveu aquilo, que está acolá. Acolá, lá bem acolá...está quem deve estar aqui. E o escritor não sabe. Não pertence a esse livro.

Volta-se ao social e à tremenda chatice do real, o Governo ainda não deu à luz. A confusão é quase total, a mistificação é a única que é real. E Mário Cláudio não espera. Está ali, apenas.

As noites são seguramente descanso e nunca a desesperança do silêncio, não é afinal a paz pintada de branco e ausência de ruído? E o pensamento não se podia calar?

Há coisas que deviam de ser o que outras foram e foram mal, ou que não deviam ser o de outras tantas que o são sem se querer. Detesta-se silêncio e até se despreza alguma paz. A paz pode ser paragem, o silêncio ... se se fala dele, agita-se e trai-se a sua natureza.

Se me deixam voar, eu vou, se me deixam ficar, não sei estar. Mas Cláudio ali persiste e vou voltar-me para ele.

Imagino a dinâmica lá fora e custa tanto saber de tanta vida, a folha que cai e só é dada por morta ao chegar ao seu repouso de Inverno. Sabiam que a Saudade é uma palavra portuguesa? Pois claro que sabiam. Sabiam que com ela se criam as perdas? O português inventou uma palavra que não serve para nada.

Vou ali ao lado, Mário espera-me. " O velho que escreve no gabinete da casa demolida, suspende o trabalho para se submeter a um acesso de tosse...". Tem razão o escritor, é com ele que devemos enterrar o vazio. É neste que se revelam todas as palavras que nunca quereremos dizer.

"À secretária do gabinete o velho tendo esfregado os olhos, reedifica a casa demolida". A casa demolida...

A uma demolida devia responder-se com outra a edificar.


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