Falso Incógnito
Qualquer coisa pode começar a qualquer momento. Continuar incógnito, numa carruagem do Metro, observar os outros, na languidez de uma manhã em estado avançado, nesse tempo que começa para nós e para outros já leva o peso de meio dia andado. Os outros. Somos como os outros, nesta nossa diferente, tão distinta quanto as nossas mais fortes intenções e capacidades nos permitirem ser. Somos também tão diferentes, não distintamente, apenas distinguíveis.
E ir assim, numa carruagem qualquer, uma carruagem sem história onde apenas as histórias de cada um são transportadas a um ritmo de quatro, de seis ou de oito minutos por passagem de cada comboio.
Knausgaard (Knausgard) tem andado comigo. Admiro a sua ímpar coragem de escrever a sua vida, que ainda pelos quanrenta já encheu mais de três mil e quinhentas páginas. Admirável. Esse realismo cru, por vezes cruel consigo, por vezes duro com outros, mas sempre de uma inteligente elegância. Como se meteu esse homem das terras do frio e do silêncio (um silêncio que mata um português mediano), a escrever sobre si. Contando pensamentos, acontecimentos com a coragem que lhe podia trazer tantos dissabores. E pode ter começado assim, numa viagem urbana. Ou num dia desses, do silêncio nórdico, da frieza das palavras que não dos sentimentos.
Um escritor denuncia-se e não ganha fragilidade, mas ganha admiração pela nudez da sua vida, exposta em tão elegante forma. Pode um dia um de nós pegar num teclado e começar?
Que impulso pode mudar uma vida, uma linha de actuação? Que nos pode fazer regressar a um passado, completo, incompleto, a que não queremos regressar, a que adoraríamos voltar?
O que nos pode fazer saltar dessa mancha que se arrasta ensonada, na rotina asfixiante, na rotina assustadora, tiruradora, fatal, para uma brilhante etapa de vida, não pela admiração de outros, mas sempre de alguém, porque sempre gostamos que alguém nos aprecie, nos aconchegue num elogio, ou simples apoio, num confortável empurrão para mais e para a frente?
Pode ser um sinal? Ou uma não mais suportável rotina cinzenta que nos ameaça destruir? Há dias desses, que nos parecem sufocar pela nossa própria estupidez, em que não mais aguentamos ser o que somos, e queremos saltar para fora de nós mesmos.
Pode ser o dia em que nos damos conta de que a cinzenta e morna rotina não serve mais. Se esse dia chegar. Entretanto, as imagens vão insistindo nesse filme da memória que queremos-não-queremos, mas que é de nós e dos outros que de nós fizeram. Ou não. Um dia desses todos teremos essa vontade violenta e demolidora que nos leva a escrever. Nem que ninguém mais veja. Ou a mesma vontade, para assumir uma desistência.
Knausgard não desistiu. Usou do que melhor sabe para falar do que mais lhe deve ter custado. Por a nudez das suas vidas cá fora, ao descoberto de todos, a uma luz. À luz que sabe ou não entender esse impulso, necessidade de tudo dizer. Mas nunca se diz tudo. Nunca. Morre connosco talvez o pior, ou exactamente o melhor do que fomos, vivemos ou queríamos ser.
E ir assim, numa carruagem qualquer, uma carruagem sem história onde apenas as histórias de cada um são transportadas a um ritmo de quatro, de seis ou de oito minutos por passagem de cada comboio.
Knausgaard (Knausgard) tem andado comigo. Admiro a sua ímpar coragem de escrever a sua vida, que ainda pelos quanrenta já encheu mais de três mil e quinhentas páginas. Admirável. Esse realismo cru, por vezes cruel consigo, por vezes duro com outros, mas sempre de uma inteligente elegância. Como se meteu esse homem das terras do frio e do silêncio (um silêncio que mata um português mediano), a escrever sobre si. Contando pensamentos, acontecimentos com a coragem que lhe podia trazer tantos dissabores. E pode ter começado assim, numa viagem urbana. Ou num dia desses, do silêncio nórdico, da frieza das palavras que não dos sentimentos.
Um escritor denuncia-se e não ganha fragilidade, mas ganha admiração pela nudez da sua vida, exposta em tão elegante forma. Pode um dia um de nós pegar num teclado e começar?
Que impulso pode mudar uma vida, uma linha de actuação? Que nos pode fazer regressar a um passado, completo, incompleto, a que não queremos regressar, a que adoraríamos voltar?
O que nos pode fazer saltar dessa mancha que se arrasta ensonada, na rotina asfixiante, na rotina assustadora, tiruradora, fatal, para uma brilhante etapa de vida, não pela admiração de outros, mas sempre de alguém, porque sempre gostamos que alguém nos aprecie, nos aconchegue num elogio, ou simples apoio, num confortável empurrão para mais e para a frente?
Pode ser um sinal? Ou uma não mais suportável rotina cinzenta que nos ameaça destruir? Há dias desses, que nos parecem sufocar pela nossa própria estupidez, em que não mais aguentamos ser o que somos, e queremos saltar para fora de nós mesmos.
Pode ser o dia em que nos damos conta de que a cinzenta e morna rotina não serve mais. Se esse dia chegar. Entretanto, as imagens vão insistindo nesse filme da memória que queremos-não-queremos, mas que é de nós e dos outros que de nós fizeram. Ou não. Um dia desses todos teremos essa vontade violenta e demolidora que nos leva a escrever. Nem que ninguém mais veja. Ou a mesma vontade, para assumir uma desistência.
Knausgard não desistiu. Usou do que melhor sabe para falar do que mais lhe deve ter custado. Por a nudez das suas vidas cá fora, ao descoberto de todos, a uma luz. À luz que sabe ou não entender esse impulso, necessidade de tudo dizer. Mas nunca se diz tudo. Nunca. Morre connosco talvez o pior, ou exactamente o melhor do que fomos, vivemos ou queríamos ser.
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