2014+1
Juntaram-se uns algarismos. Formaram um número. E não sabiam o quanto de perverso continham. 2, 0, 1 e 4. Apenas por que eram parte de uma sequência. E as sequências não têm vontade própria, mas podem trazer muito de impróprio, inadequado.
2014 foi um ano terrível. Para mim. E para os meus. Os meus desgraçados conterrâneos, compatriotas, como já nem é uso chamar-se a um povo, mesmo a este povo antigo, com sulcos de dor e miséria na cara. Há quase um ano se elaboraram promessas, de nós para nós mesmos. E para os nossos mais queridos. O ano...trouxe tanta surpresa. Confesso que algumas foram boas. Por caminhos certos, por caminhos ínvios, e por caminhos inesperados, como tal, desconhecidos.
O meu tão saudoso pai, que sempre recordo com tristeza por estes malditos dias "de festa", sempre acreditava a cada ano, num recomeço melhor. Era um homem de esperança, tanta quanta a força moral e intelectual que o caracterizava. A cada batida da meia-noite, no nosso terraço no Funchal, olhando o ano que se resumia já apenas a um número, fugaz por segundos, iluminado e gigante, nas encostas da "montanha" esse lugar de um culto de minutos para os madeirenses, onde todos os anos, os do Funchal se voltam como islâmicos para Meca, e esperam que a mudança, e a esperança, lhes chegue com a alteração do último algarismo de um grupo de quatro. Nesse momento tão efémero, o meu pai olhava e dizia-nos, exultante, para olharmos todos..."olhem agora, o ano vai mudar" (por vezes fazíamos uma contagem mental, cada um a seu ritmo, dessincronizados).
O ano mudava, os abraços fortes e quentes do nosso pai e os beijos da nossa mãe, eram o presente que essa mudança trazia. Um sorriso e um "Bom ano", quente, aconchegante e uma muito fugidia sensação de crença, num ano "muito melhor" que se iniciava. E todos nos abraçamos, e desejávamos o tradicional e cego "Bom Ano". Um desejo sem conteúdo, que só saberíamos...um ano depois. Logo o fogo de artifício rebentava, fantástico, maravilhosa e único para nós. Momentos memoráveis que nunca se apagarão (eram os abraços fortes e sentidos que contava, o ano, a mudança não fazia ali nada), pese embora o apagão do fogo que dura mais trezentos e sessenta e cinco dias, descontados uns poucos dez minutos, ultrapasse em dimensão, mas não em sensação e memória. Esses momentos cá estão. E por estarem, vendo ainda o locar do nosso terraço, no centro do Funchal, telhados vizinhos à volta, voltando a cabeça nas várias direcções, ao ritmo a que surgia cada novo foguete, um mais lindo do que o anterior "olha aquele ali" e ..."aquele, aquele sim". Os barcos faziam soar os seus "apitos", e por detrás novo fogo surgia, o reflexo das suas luzes no mar. Dez minutos, pouco mais.
Dez minutos era o tempo que uma esperança se aguentava nas fracas pernas, até morrer. Mas a cada ano, não sabíamos nunca. Sempre acreditando. Acreditando até ao último instante, trezentos e sessenta e cinco dias depois.
Foi diferente 2014. Não houve fogo de artifício na baía do Funchal, porque há alguns anos que, para mim, não há. Mas ele volta, lá. E eu sei. Como voltam a esperança e as palavras do meu pai, um optimista jovial e que amava incondicionalmente a sua família, e por isso se resguardava de qualquer réstia de pessimismo e nos protegia. Mas ele deixou-nos demasiado cedo e levou boa parte da esperança com ele.
2014 foi dos piores anos dos meus cinquenta e tal. Quem me conhece, bem o sabe. Um ano maldito. Confesso o meu ódio a este ano, que quero se apague, nessa ilusão que me foi ensinada de que à volta da meia-noite de 31 de Dezembro, a esperança regressa.
Quero deixar esta esperança a todos os meus amigos, os que me lêem e os que não. Fica na mesma. Que nos sirva a todos, que vos sirva de muito. Que 2015, neste lago onde nos estamos a afundar, sem vislumbre de salvadores, ainda encontremos forças inéditas, inauditas e secretas, inteligentes mas seguras, confiantes e determinadas, para fazermos o que em novecentos anos nunca se fez. Que façamos deste espaço o nosso país, e não o deixemos nas mãos de quem não sabe o que dele fazer.
Um 2015 diferente e um excelente ano! Para todos (mesmo os que não merecem e cada um de nós sabe quem da sua parte não merece, e colectivamente todos parecemos saber). Todos, sem excepção, somos humanos e alguns, muitos até, andamos a sofrer com o que poucos nos têm feito. Ainda assim, como bem ensinado pelo meu grande e querido pai, democrata e humanista, com aquele sorriso enorme com que nos aquecia os piores dias...
...BOM ANO de 2015!
2014 foi um ano terrível. Para mim. E para os meus. Os meus desgraçados conterrâneos, compatriotas, como já nem é uso chamar-se a um povo, mesmo a este povo antigo, com sulcos de dor e miséria na cara. Há quase um ano se elaboraram promessas, de nós para nós mesmos. E para os nossos mais queridos. O ano...trouxe tanta surpresa. Confesso que algumas foram boas. Por caminhos certos, por caminhos ínvios, e por caminhos inesperados, como tal, desconhecidos.
O meu tão saudoso pai, que sempre recordo com tristeza por estes malditos dias "de festa", sempre acreditava a cada ano, num recomeço melhor. Era um homem de esperança, tanta quanta a força moral e intelectual que o caracterizava. A cada batida da meia-noite, no nosso terraço no Funchal, olhando o ano que se resumia já apenas a um número, fugaz por segundos, iluminado e gigante, nas encostas da "montanha" esse lugar de um culto de minutos para os madeirenses, onde todos os anos, os do Funchal se voltam como islâmicos para Meca, e esperam que a mudança, e a esperança, lhes chegue com a alteração do último algarismo de um grupo de quatro. Nesse momento tão efémero, o meu pai olhava e dizia-nos, exultante, para olharmos todos..."olhem agora, o ano vai mudar" (por vezes fazíamos uma contagem mental, cada um a seu ritmo, dessincronizados).
O ano mudava, os abraços fortes e quentes do nosso pai e os beijos da nossa mãe, eram o presente que essa mudança trazia. Um sorriso e um "Bom ano", quente, aconchegante e uma muito fugidia sensação de crença, num ano "muito melhor" que se iniciava. E todos nos abraçamos, e desejávamos o tradicional e cego "Bom Ano". Um desejo sem conteúdo, que só saberíamos...um ano depois. Logo o fogo de artifício rebentava, fantástico, maravilhosa e único para nós. Momentos memoráveis que nunca se apagarão (eram os abraços fortes e sentidos que contava, o ano, a mudança não fazia ali nada), pese embora o apagão do fogo que dura mais trezentos e sessenta e cinco dias, descontados uns poucos dez minutos, ultrapasse em dimensão, mas não em sensação e memória. Esses momentos cá estão. E por estarem, vendo ainda o locar do nosso terraço, no centro do Funchal, telhados vizinhos à volta, voltando a cabeça nas várias direcções, ao ritmo a que surgia cada novo foguete, um mais lindo do que o anterior "olha aquele ali" e ..."aquele, aquele sim". Os barcos faziam soar os seus "apitos", e por detrás novo fogo surgia, o reflexo das suas luzes no mar. Dez minutos, pouco mais.
Dez minutos era o tempo que uma esperança se aguentava nas fracas pernas, até morrer. Mas a cada ano, não sabíamos nunca. Sempre acreditando. Acreditando até ao último instante, trezentos e sessenta e cinco dias depois.
Foi diferente 2014. Não houve fogo de artifício na baía do Funchal, porque há alguns anos que, para mim, não há. Mas ele volta, lá. E eu sei. Como voltam a esperança e as palavras do meu pai, um optimista jovial e que amava incondicionalmente a sua família, e por isso se resguardava de qualquer réstia de pessimismo e nos protegia. Mas ele deixou-nos demasiado cedo e levou boa parte da esperança com ele.
2014 foi dos piores anos dos meus cinquenta e tal. Quem me conhece, bem o sabe. Um ano maldito. Confesso o meu ódio a este ano, que quero se apague, nessa ilusão que me foi ensinada de que à volta da meia-noite de 31 de Dezembro, a esperança regressa.
Quero deixar esta esperança a todos os meus amigos, os que me lêem e os que não. Fica na mesma. Que nos sirva a todos, que vos sirva de muito. Que 2015, neste lago onde nos estamos a afundar, sem vislumbre de salvadores, ainda encontremos forças inéditas, inauditas e secretas, inteligentes mas seguras, confiantes e determinadas, para fazermos o que em novecentos anos nunca se fez. Que façamos deste espaço o nosso país, e não o deixemos nas mãos de quem não sabe o que dele fazer.
Um 2015 diferente e um excelente ano! Para todos (mesmo os que não merecem e cada um de nós sabe quem da sua parte não merece, e colectivamente todos parecemos saber). Todos, sem excepção, somos humanos e alguns, muitos até, andamos a sofrer com o que poucos nos têm feito. Ainda assim, como bem ensinado pelo meu grande e querido pai, democrata e humanista, com aquele sorriso enorme com que nos aquecia os piores dias...
...BOM ANO de 2015!
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