Quem não se sente...
Quem
não se sente...
Ontem,
a propósito do que escrevi no Facebook, e aqui, neste blogue onde ninguém vem
ler coisa alguma, sobre Portugal, sobre os professores, generalizando, não por
minha escolha, mas pela de uma classe que assim se quer ver a si mesma, ou não
se defendia tão corporativamente, e, lamentavelmente, de forma tão ridícula,
mas bem útil, já que a defesa colectiva dos nossos próprios interesses ganha em
dimensão e eficácia, chamaram-me, ainda que em privado, de egoísta, mas mais
ofensiva e subtilmente, de 'usar o Facebook como o palco de que tanto preciso
para alimentar o meu enorme ego’, coisa que me surgiu assim perto já da
meia-noite, entrando pelo mail, por via de uma pessoa de família.
O
caso não é uma novidade. Afinal, os membros das nossas famílias só o são porque
as relações sociais assim o ditam, porque, simplesmente o serão sempre, sem
escolha possível, ao contrário dos amigos. Há muitos anos, uma pessoa já
falecida da minha família, dizia em tom provocatório e por graça, que marido e
mulher não são família, o que, na altura eu achava estranho e disparatado.
Quando hoje se vê a facilidade com que nos casamos e separamos, alguns
fazendo-o várias vezes ao longo da vida, e por vezes mantendo melhores relações
de amizade e de convívio alimentado por anos, com irmãos do ou da ex-cônjuge,
ao mesmo tempo que se alimenta o ‘ódio’ por quem foi companheiro ou
companheira, percebo uma parte do que queria dizer essa pessoa. E percebo ainda
mais que alguns pretendam que assim seja. Hoje, quando tudo corre bem, as
maiores alegrias nos assolam e as alimentamos, tudo se elogia e tudo está bem.
Amanhã, na separação e nas discussões frequentes, o materialismo e o orgulho
pessoal falam mais alto e do amor se passa ao ódio mais carinhosamente
alimentado.
Com
irmãos e cunhados, as coisas serão, muitas vezes bem mais difíceis. Algumas
vezes tudo corre bem, por anos e anos, especialmente se, em tempos de crise,
alguém está melhor e materialmente mais capacitado, e nesse caso é alvo dos
respeitos e elogios, que outros, os que estão profundamente enterrados na sua
decadência profissional e financeira, por perda de emprego, sentem na pele o
abandono da maioria dos amigos e familiares.
A
sociedade não gosta de convulsões. No geral, as pessoas torcem o nariz a quem
assume as cisões, se separa ou divorcia, é então o alvo das recriminações dos
moralistas de serviço. Nem tudo é sempre tão claro, como se alguém não devesse
ouvir essas tais críticas, obviamente. Mas também não o é, para quem não as
merece, apenas por ter sido capaz de por termo a situações e relações que não
mais queria, ou com elas não fosse capaz de continuar. Mas os moralistas e
conservadores de serviço abundam mais do que imaginamos e surgem, com
frequência, dos lados de menos suspeitaríamos.
Junta-se
a isto a falta de capacidade de encaixe de criíticas, ou meras opiniões, e a
identificação consigo próprios de uma opinião, que deveria ser lida como se
escreveu, genérica e não particularizada, sobre um grupo social. Um grupo pode,
generalizando, para dar forma e cor a esta ideia, fundamento deste meu texto e
desabafo, um Partido, um Clube, uma Religião, uma Associação, uma Classe ou
Grupo Profissional. Escrito em maiúsculas, devia ler-se em minúsculas, fossemos
todos suficientemente democratas e deixássemos os ‘você’ e ‘V.Exa’ na gaveta,
para aceitarmos a democratização que a terra e o jazigo nos confere, na hora
definitiva.
Uma
opinião sobre um Grupo, profissional, numa hora de crise, já que não o é de
maior convulsão social, e talvez o devesse, é tão-só isso mesmo. Opinião. Mas
quem ‘se sente’ é precisamente quem mais a jeito se põe para ser alvo da
opinião ou crítica. As defesas de classes, ou grupos profissionais, são coisa
perversa e perigos, a meu ver. Perversa, por eliminarem os ‘pontos negros’,
nunca totalmente conhecidos, mas com assiduidade escamoteados. E é deles que se
fala, quando se opina, criticando. Nem de outra forma, ou coisa, podia ser.
Perverso porque as classes e grupos sempre tomaram mais força e fizeram questão
de usar o poder que o número, mais do que a qualidade intrínseca, lhes confere.
Em termos claros, uma grande parte dos problemas que temos em termos
profissionais e sociais em Portugal será o do acúmulo de greves de transportes,
profissionais de transportes, da saúde e da educação, que com as força do
número conseguiram obter privilégios que deviam ser mais universais, de todos
mesmo, e não o são. Durante estas quase quatro dezenas de anos, em Portugal,
mas também pela Europa, os profissionais de transportes terrestres, de transportes
aéreos, da saúde, da justiça, da educação, foram conquistando metas, quase
sempre muito acima da média miserável da nossa sociedade, economia e país.
Foram acumulando privilégios, algumas, ou muitas vezes imerecidos. Nem tudo foi
ou é excessivo, mas se atentarmos a que, oficialmente, os profissionais da
educação, os professores em concreto auferem em Portugal, 23% acima da média da
sua ‘classe’ na Europa, num país com uma piores e menos eficientes sistema
educativo, pode-se, pelo menos, reflectir nos ‘porquês’ e não entrar de
imediato do coro de vozes de vitimização e de ‘damas-ofendidas’ da classe.
Ontem
perguntei e reincidirei exaustivamente, por ser uma causa maior, a meu ver (e o
‘ver’ dos outros, de igual valor ao meu, mas nunca mais do que o meu, se somos
democratas, entenda-se, será respeitado, mas ganhei ao longo do tempo esta
mania, mais uma, de pensar por mim e a minha opinião emitir, embora ela se
forme da dos outros, também), porque razão não se insurgiam os professores
contra o Acordo Ortigráfico. Porque razão o aceitaram de forma tão ligeira? Não
escreviam antes sem ele? Não estavam bem sem ele? O que melhorou com ele?
Porque não se recusam a usar e fazer usar, esta enormidade? Aceitam as Leis
assim, sendo que neste caso nem de Lei se trata, mas de mera Resolução, do
mesmo valor e força legal das que, na Assembleia, podem impor uma regra para os
restaurantes do edifício da mesma, ou do uso razoável do papel higiénico nas
instalações do poder legislativo. Não obtive nem uma resposta, nem um só
comentário. Excepto já tarde, pela noite, um email de familiar, mostrando a
indignação pelas minhas opiniões ‘contra a sua classe, ou grupo profissional’,
passando assim por cima de uma relação de família, que não visei em algum
momento, na defesa do grupo, acima do familiar. E, diversamente do que eu fiz,
personalizando, com o uso ofensivo da frase que no início mencionei.
Se
de cada vez que omitirmos uma opinião, em conversa ou por escrito, privada ou
publicamente, nos inibirmos de o fazer, porque há um médico na família, ou
amigos, um advogado, um professor, um comercial, um gestor, um político, um
juiz, um arquitecto, um engenheiro, um parvo de um agrónomo (a quem ninguém
obrigou a escolher tamanha enormidade de curso), nunca teremos opinião sobre
quase nada na sociedade. Ora eu, para quem me ler com rigor (deve-o haver tanto na escrita como na leitura) e
imparcialidade, não ataco nenhum grupo. Mas não me inibirei de emitir a minha
opinião, num país supostamente livre e num mundo que desejo cada vez mais
libertado.
Se
não podemos falar de políticos, porque, como na Rússia ao dia d hoje se
intimidam os líderes da Oposição e se mandam prender, na véspera de uma
manifestação contra o Presidente, ou como há uns quarenta anos, por cá. Se não
podemos dizer o que pensamos, e condenarmos, bem alto, a pedofilia numa igreja
católica decrépita (que outra coisa nunca o foi, diz a história e não fui eu a
escreve-la, mas os que a mancharam com repressão e violências várias), ou um
grupo e classe profissional, responsável directo pela assimilação da ofensa
cultural que é o Acordo Ortigráfico, ofensa tecnicamente comprovável, mas
igualmente pelos salários elevados e imerecidos, mais os empregos vitalícios
para os ‘efectivos’, e a desgraça total que são as nossas escolas, onde estão
eles e não eu (!), e o resultado triste e catastrófico que é o ensino dos
filhos que confiamos a esta gente... e que não vemos evoluir em relação ao
tempo em que nós andamos por lá (passa-se para o 5º ano sem saber tabuada? Sem
conseguir ler fluentemente, mas aos saltos e sobressaltos? Sem nenhum
conhecimento sobre o que à volta deles, crianças e alunos, se passa?). Entra-se
nas Universidades, onde se exige a Matemática, com negativa na...matemática?).
E
a culpa é sempre e exclusiva do Ministério? Que entretanto mudou vezes sem
conta, mas nas escolas permaneceram os mesmos professores, e até os alunos
mudaram?
Sim,
mantenho tudo o que disse da nobre classe dos professores. Tudo. E nunca
ofendi, em particular um só. Mas só existe a ofensa de uma classe, porque
financeira e egoisticamente (isso sim é um enorme Ego) lhes dá muito jeito.
Acho,
humildemente, que devemos ‘saber sair de dentro de nós’, pormo-nos ‘out of the
box’. Assumirmos uma opinião sobre um grupo (Partido, clube, grupo
profissional, etc.) como se de um ataque ou ofensa pessoal se tratasse é
assumir uma falta de visão, uma quase iliteracia confessa. Que me entristece.
E, neste caso, me ofendeu.
'Quem não se sente. não é filho de boa gente', foi uma das frase que me foi transmitida. Os ditados, provérbios, aforismos e outras coisas que tal, são isso mesmo. Redutores, limitados, não abrangentes, e retrógrados. São primos das superstições e eu repudio.
Senti-me. Mas a minha gente não é tocada por isso.
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