Uma noite com Antifascistas da nossa Arte...
Há alguns dias fui assistir a uma tertúlia entre alguns artistas famosos do nosso pais. Júlio Pomar, um dos nossos mais importantes pintores, também escritor, poeta. Carlos do Carmo, o conhecido fadista, que criou o seu estilo muito próprio e que ainda hoje mantém uma bela voz, tão jovem. Cristina Branco, uma das fadistas e cantora de outros géneros, como Jazz, que tem ainda muito futuro e uma longa e venturosa carreira pela frente.
A noite, ou sarau, com tais personalidades de peso, moderada por Carlos Vaz Marques, prometia ser rica e estimulante. Iniciava-se este ‘Café com Letras’ às 21h30. Os artistas, bons companheiros de mesa...uns dos outros, chegaram pouco antes das 22 horas... Mas a sala estava cheia já às 21h20, hora a que cheguei, e tive de ficar num dos últimos dois ou três lugares ainda vagos ao fundo da mesma.
Entraram com um sorriso e o ar triunfante de quem sabe que se pode fazer esperar. De quem, superior, está ali para ser admirado e adorado pelos comuns mortais da sua assistência. Qual prol que espera o Monarca e a sua Corte.
Mas ali estávamos todos de paciência ao alto, e sorriso parvo à espera da individualidades, com a vontade de nos crescer na cultura e na mente, tanto quanto a estupidez nos fazia quase crescer água na boca, com as iguarias de conhecimento e curiosidades que nos prontificávamos a ouvir. Esponjas à espera que o peixe-rei se sentasse em cima dela, no fundo do nosso triste e inferior, menor, mar...
Carlos Vaz Marques pede, de entrada, desculpa pela ‘ligeira’ demora...coisa de trinta minutos, neste pais de insípidos espíritos de adoradores de VIP’s... coisa pouca...
Começa por Júlio Pomar que diz, com a sua graça própria e voz descontraída pela segurança que lhe dá a fama e ...o proveito, num pais onde a esquerda nacionalizou a cultura e a usa como o seu quintalinho privado...que como não sabia o que dizer...ia começar por ‘qualquer coisa’...e a assistência, submissa ao grande humor, do grande pintor (efectivamente grande e genial!)...ri-se.
Depois tenta explicar o seu caminho de poeta, menciona as experiências, revela a amizade com o colega de escola e contemporâneo já falecido poeta Mário Cesariny (outro mais do rol de socialistas de serviço à grande cultura portuguesa. Por acaso, um excelente poeta, efectivamente, mas podia não o ser). As caminhadas conjuntas e as trocas de poemas, nesse tempo ainda de ‘brincar’...
Falava com a sua voz compassada, o seu humor entremeado, ligeiro, mas fino e pessoal, como a sua arte. Pelo meio, às tantas, a menção ao anterior regime e a Salazar, ‘que se tinha encarregue dele’ (uma espécie de preocupação central de Salazar pelo pintor contestatário e o testemunho anti-fascista, de um lutador que, subtilmente deixava passar esta sua especial e particular ‘superioridade, perante uma provável plateia de inexperientes antifascistas...pensei eu).
Seguiu-se Carlos do Carmo, no seu habitual estilo, simpático e jocoso, e vaidoso de si mesmo (uns bons minutos a gabar-se da autoria da candidatura do Fado a Património Mundial, obviamente importante, logicamente pouco preocupante), que todos lhe conhecemos, na mesma medida da sua muito falsa modéstia. Como atrás não podia ficar, lá encontrou forma de referir o seu inegável, também, ‘anti-fascismo’ e a vida de vítima do triste e soturno ditador...
Neste ponto já eu me perguntava por que razão seria tão importante, numa noite em que se falaria, ouviria falar, de Fado, de poesia e de arte...e cultura, mencionar Salazar, morto em...1968.
Tive um pensamento fugaz, mas seguramente despropositado. Falta de estima, de outrem? Falta de reconhecimento, numa fase mais avançada das suas vidas? Falta de atenção de grandes públicos? Associada a uma normal e compreensiva fase de baixa produção artística? Por que afinal, esta lembrança, inusitada, do regime que há quase quarenta anos desapareceu? Tentativa de compensar as misérias do actual regime e do triste desempenho do governos ‘dos seus olhos’ com a memoria de um regime totalitário e anacrónico? Que ninguém quer lembrar, mas que, mais, até já nem quer saber e que...excepção feita aos antifascistas presentes, já não se sente como importante aos dias de hoje, nem como influente nas nossas actuais, gigantes, desgraças? Ou...apenas e tão só, uma forma sub-reptícia de dizer, temos mais coisas, para alem do nosso reconhecido papel na cultura e arte nacionais, que nos torna superiores a vocês, aqui presentes?
De passagem, senti a arrogância dos famosos a tentar atingir-nos...e eu ainda nem estaria na situação pior, já que ainda vivi e bem intensamente, o dia, as semanas os meses e os anos da Revolução dos Cravos.
Cristina Branco falou, tímida, talvez um pouco esmagada pelo gigantismo dos companheiros de mesa, sobre a sua experiência com os poemas de Júlio. A razão, afinal desta ‘tertúlia’. Mais umas piadas de Pomar, dois fados cantados, com letra do pintor-poeta, por Carlos do Carmo e um por Cristina Branco. Nada a referir, para alem da insuspeita, aguardada beleza e qualidade.
As palavras que se seguiram dos vários, foram um tanto mais vazias e um pouco mais para ‘encher’ programa.
Ficou-me o sabor de um noite mal aproveitada, a vaidade dos dois mais idosos, arrogância politica dos mesmos, as piadas ignorantes de Carlos do Carmo, sobre a actual conjuntura económica e política portuguesa e ...uma vontade de que acabasse mais depressa do que o tempo que esperara por tão ilustres individualidades.
Uma noite em casa a ouvir o meu único CD de Cristina Branco e o nenhum de Carlos do Carmo, após um passeio agradável, não efectuado, junto ao rio, pela noite agradável, teria sido mais compensador...do que ouvir de novo falar do miserável Salazar e das bravuras dos artistas de ‘esquerda’ deste pais tão pobre em ideias...novas.
Às vezes penso se não é um fado (um fardo), andar estes anos todos a ouvir as 'culpas' do, obviamente mau e estrangulador regime ditatorial de Salazar, pior por ter sido tão católico, em minha opinião, e ouvir, ainda, mascararem-se as palhaçadas e mentiras de Sócrates a belos golpes de pincel, de pintores famosos e obviamente excelentes, da nossa praça
Às vezes penso se não é um fado (um fardo), andar estes anos todos a ouvir as 'culpas' do, obviamente mau e estrangulador regime ditatorial de Salazar, pior por ter sido tão católico, em minha opinião, e ouvir, ainda, mascararem-se as palhaçadas e mentiras de Sócrates a belos golpes de pincel, de pintores famosos e obviamente excelentes, da nossa praça
Comentários
Gostei. Há verdades que doem a muita gente mas têm que ser ditas. O tempo da ditadura de Salazar já lá vai há um bom par de anos. O capitalismo cresceu. Os políticos enchem os bolsos, a corrupção grassa e por aí fora...
Mas, entretanto, o desemprego impera, os cortes salariais proliferam e vem aí mais uma cabazada com os 10% a abater aos aposentados, exceptuando, claro, magistrados, militares, diplomatas que esses, coitados, precisam muito mais do dinheiro que os miseráveis que têm que sobreviver só com aquilo que lhes deixam... mas quem fala de barriga cheia, entende lá isso, nos tempos que correm...
Grata pelo texto. Gostei de ler!