O fim do Cristianismo e da Cultura Ocidental?
Após dois mil anos de Cristianismo parece-me que se assiste à maior crise das igrejas cristãs de sempre. A católica passou por muitas convulsões e, apesar, das atrocidades cometidas há, no máximo cinco séculos (muito pouco em termos da história da humanidade, mas suficientemente distante para que hoje os praticantes e membros da igreja de Roma se sintam confortáveis com a mesma), continuou a ter fiéis e a manter por muitos séculos, com excepção do final do XX e início deste XXI, a sua hegemonia em muitos dos países de tradicional implantação, se não mesmo uma influência ou autoridade sobre os Estados. Nenhuma igreja cristã se lhe pode comparar em influência no mundo, nas pessoas e na política. A Anglicana, por força da reforma, ou antes, cisão, que lhe deu origem, não manteve a mesma influência ou poder, dependendo isso mais do monarca de cada época, até por ser ele ou ela, os chefes máximos dessa Igreja.
As Igrejas ortodoxas, grega ou russa, com as suas tradições bem enraizadas mas com uma prática mais próxima do adjectivo que lhes dá o nome (ortodoxia), e com as perseguições de que foram alvo, tiveram apesar disso alguma influência sobre o poder e as ideologias reinantes, mas de época para época, a sua hegemonia social foi variando ao longo do tempo e não é ainda claro que o seu papel nas mentalidades e ideologias, ao longo da história tenha sido determinante. Porque outras ideologias se tornam mais hegemónicas, ou totalitárias, pela vertente politica.
A Igreja de Lutero tem, talvez, sido das que mais se vem mantido mais estável e mais fiel aos ritos e tradições originais do fundador. Nos países ou regiões onde se tornou a principal expressão religiosa, ganhou um estatuto de serena estabilidade e respeitabilidade. Desprovida de artefactos e associada a uma ideia de fidelidade aos princípios cristãos originais, transmite ainda uma imagem de estar à parte das políticas e filosofias sociais, o que pode constituir a perfeita receita para a sua imensa estabilidade. Associa-se frequentemente, à sua doutrina e à sua postura, algum do sucesso da sociedades onde se mantém como expressão preponderante de uma religião que, há dois mil anos, se foi implantando pela diferença, baseada no humanismo e na libertação do Homem e, na essência, de forma simplista, da igualdade entre todas as pessoas perante Deus e perante poderes políticos instituídos.
Na actualidade, porém, os movimentos e transformações sociais, políticas e económicas, nas culturas ocidentais, tem vindo a limitar o papel destas Igrejas e do cristianismo em geral, levando-as a um reduto de, cada vez mais, reduzida influência na vida das pessoas e sociedades.
Há um crise crescente, por demais evidente, senão apenas na Igreja Católica, mas em muitas das Igrejas cristãs. Uma crise de influência, uma crise de práticas. Pouco a pouco, ao longo de não mais do que algumas dezenas de anos, o Vaticano foi vendo esvaírem-se dos seus templos de prática, as multidões que antes, durante a vigência de outras ideologias e regimes políticos os enchiam e onde a sua voz era tida em conta. Cada vez mais a voz que antes brandia contra evoluções e tendências sociais crescentes, e que era respeitada, foi deixando de ser levada na mesma conta que outrora se fazia marcar.
Paralelamente, o islamismo tem vindo a ganhar um papel de influência, quer nas suas sociedades de implantação natural, quer nos países para onde os seus fiéis se têm vindo a expandir. A emigração crescente proveniente de regiões do norte de África e das regiões subsarianas, tendencialmente a empobrecer, e crescentemente a desertificarem-se, vem trazendo para as regiões europeias de tradição fundamentalmente cristã, novas populações, mais profícuas em crescer a descendência do que as origem e cultura europeia.
As Igrejas cristãs podem estar mesmo a assistir à sua morte. O islamismo, uma das mais jovens religiões do mundo, com carácter universal, ganha importância e ganha populações.
Os princípios cada vez mais prementes e de reconhecida sensatez, de respeito democrático pelos dois sexos, em igualdade, e por outros credos ou tradições, norma e prática típicas na cultura ocidental, podem um dia, não muito distante, ser postos em causa pela supremacia populacional de outras culturas, no próprio terreno natural da cultura dita ocidental.
Dentro de algumas dezenas de anos a inexorável imigração que a Europa não conseguirá controlar, será o pano de fundo de todas as práticas e tendências sociais nos nossos países europeus. Será este o problema maior com que nos teremos de defrontar, e bem mais, até, do que o do impacte económico e social que esses povos e culturas trarão ao nosso dia-a-dia. Em muito pouco tempo, o regresso de culturas que há cinco séculos portugueses e espanhóis expulsaram da Europa, regressarão de forma bem mais silenciosa e eficiente, e, provavelmente, determinante dos nossos futuros.
E este movimento não tem retrocesso. Os valores, por exemplo do respeito pelas mulheres no seu papel na sociedade poderão, ou não, ser postos em causa. O nosso saudável multiculturalismo europeu, ele mesmo, ficará em cheque.
O status das populações europeias e, bem mais, de uma certa classe política hoje vigente, medíocre e profundamente tanto autista, como narcisista, será afrontado pela supremacia populacional de outros povos e culturas, que crescem e se multiplicam a taxas bem superiores ás das nossas sociedades.
Atitudes como as de se porem em causa a voz das populações, como no caso do referendo na Irlanda, sobre o Tratado de Lisboa, em nada contribuirão para contrariar a decadência acelerada da cultura ocidental, que uma tremenda e perigosa cegueira, insiste em não querer ver.
Para tal contribuíram uma globalização caótica e apenas regida por princípios económicos, que arrastou, mas de forma não racional, práticas culturais pouco consistentes por um lado, e pouco saudáveis e compagináveis com as tendências e necessidades e problemas crescentes: alterações climáticas, crises energéticas, necessidades distintas dos povos e culturas. E até, uma coisa de que pouco se fala: o crescimento da prática democrática à escala mundial.
As alterações climáticas, a crescente escassez de alimentos, associada a duvidosas formas de energia, alternativas sim, mas pouco credíveis em termos de conservação ambiental, as fortes migrações em várias regiões do planeta, transfigurarão as nossas sociedades, e alterarão as hegemonias hoje existentes.
O cristianismo, como hoje o conhecemos, que se expandiu decisivamente após a conversão de Constantino (que alguns estudiosos põem em causa ter-se alguma vez verificado), Imperador de Roma pode estar a desaparecer, ou a perder a sua decisiva influência, vindo a reduzir-se a uma religião-nicho, sem impacte social.
Este processo pode, muito credivelmente, ser acelerado pelo início de mais uma guerra com um país islâmico e esperemos que não tenha carácter nuclear...
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