Dia Mundial para algumas crianças
Não costumo seguir a “tradição” bloguística de dedicar, sempre e por norma, um artigo a um Dia Mundial de “qualquer coisa”, mas hoje, Dia Mundial da Criança, é a excepção que tudo justifica.
Pelas crianças.
Pelas crianças, o nosso último reduto de felicidade, o nosso último repositório de esperança, de fé num futuro tantas vezes sonhado e outras tantas desiludido, vale a pena dedicarmos uns minutos a escrevermos aqui e muito, muito mais do nosso tempo- a nossa vida toda, se pudermos!- a falarmos delas, a trabalharmos e vivermos para elas.
Querendo escrever um pequeno texto, pequeno porque os grandes textos não são os mais inspirados e elegantes e podem ser inadequados ao objecto que aqui pretendo tratar, as crianças, comecei afinal por dar um tom menos positivista.
É que se a todos nos inspira e nos puxa para a frente, vermos uma das nossas crinças crescer, aprender, evoluir, nestes dias de pouca fé no nosso futuro caímos repetidamente na tentação de sentirmos que o futuro delas, crianças, está muito mais comprometido e condicionado do que está o “nosso tempo”, o ainda nosso futuro. O nosso futuro que é o de sermos ainda por muito mais anos os subalternos dos europeus, dos espanhóis. Os nosso licenciados e especialistas que fizeram o mesmo esforço do que os do país vizinho vêm agora, e mais no futuro próximo a sua carreira ser uma espécie de subalternização das responsabilidades, funções e posições dos outros. O nosso futuro é curto, é mau e é infeliz. O futuro das nossas crianças poderá não ser melhor do que o nosso.
Mas temos a enorme responsabilidade de o fazermos melhor.
Num espaço europeu que deveria permitir oportunidades e condições de vida mais aproximadas entre os vários países, vê-se cada dia mais crescer a desigualdade, a assimetria. Tudo pelo mau trabalho que fazem os pais deles. Os nossos dirigentes políticos e empresariais que, ao imaginarem que podem estar a dar melhor vida e futuro mais garantido aos seus filhos, pelo modo de vida novo-riquista que criaram, não entendem que às suas próprias crianças os espera uma situação de subalternização em relação a Espanha, por exemplo. Que lhes podem dar todos os cursos, formação e pós-graduação, nacional e internacional, mas isso não irá garantir nada nem coisa alguma. Não podem assegurar esse futuro a não ser que hoje dispensem o seu modo de vida novo-riquista, egoísta e despesista e passem a sentir outra consideração por todos os seus colaboradores. (uma empresa espanhola vem hoje a Portugal procurar profissionais para lhes pagar mal, muito mal, pois sabe que assim pode fazer. E isso com profissionais muitas vezes mais qualificados e preparados do que eles próprios. Quem conseguiu isto foi o egoísmo dos nossos dirigentes e empresários, ninguém mais).
Os dirigentes que temos têm esta responsabildade, que é ainda maior do que a nossa. è a responsabilidade de quem dirige uma empresa, de quem investe. É a responsabildade de quem politicamente nos conduz, e de quem ainda teima em comprometer o futuro da classe média e das classes mais baixas da nossa sociedade. Toda a possibilidade de crescimento, de investimento de melhoria do futuro das nossas crianças está depositada em tais (maus e muito incompetentes) dirigentes. Em mais ninguém. E isso é muito mau. De mau presságio.
As crianças que hoje vemos a crescer e aprender, com tanto esforço- em meios urbanos muito mais “entupidos” de pessoas, de automóveis de actividades, de problemas- que hoje vemos a aprender um instrumento musical tão difícil como o violino ou o piano, porque também têm hoje mais oportunidades para tal, é verdade; que com isso nos dão tantas alegrias e nos comovem e nos orgulham, têm um futuro muito difícil e incerto à sua frente.
E estas são as crianças privilegiadas. Porque neste injusto mundo há milhões e milhões de crianças que não conhecem esta linguagem: a linguagem do desenvolvimento, da alimentação adequada, do crescimento- porque muitas não sabem que não chegarão a crescer e a se tornarem adultos, infelizes, mas adultos- a linguagem da cultura, do bem estar, de ter um futuro.
As nossas crianças podem não ter um futuro, uma vida, como o terão as dos países do centro da Europa, com mais oportunidades e menos incerteza, mas terão seguramente muito melhor vida do que as crianças de Moçambique, do Sri Lanka, da Indonésia, do Sudão, da Índia ou mesmo da China, e ...tantos outros países que somam duas terças partes do nosso mundo cruel. Estas crianças em número esmagador não chegarão em grande parte a deixar de o ser. Nunca passarão de crianças. Nunca serão adultos.
Queria um texto alegre, de regozijo e orgulho e vaidade pessoal pelas minhas próprias crianças, que são fantásticas e felizes, e privilegiadas também.
Não consigo escrever tal texto.
Não sou capaz de escrever coisas belas e bonitas ao lembrar-me de tantos milhões que nem sabem que dia é hoje.
Porque hoje devia ser o seu Dia.
Hoje devia ser o Dia Mundial da Criança.
Mas não é.
Vou hoje dar uma prenda e umas horas mais às minhas crianças... e pensar em todas aquelas que não têm muitas pessoas que pensem nelas...
(e isto, mais do que tudo o que já escrevi até hoje, custou-me imenso a escrever)
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