Há uma verdade que fazemos por ignorar

 «Dois anos antes de sair de casa, o meu pai disse à minha mãe que eu era muito feia». Com esta frase começa Elena Ferrante o seu mais recente romance editado em Portugal pela Relógio D´Água. A história é a da descoberta da identidade de Giovanna, de Nápoles. 



Podia começar com aquela frase, ou com outra qualquer, de inspiração (ou profunda mágoa) de outro autor. Karl Ove Knausgard, norueguês, na sua epopeia autobiográfica, foi-nos passando revelações da sua vida, do mundo como o via, de inconfessos momentos.

Não sabemos as motivações de Ferrante, como nem a conhecemos fisicamente, nem à sua própria história. Mas que só pode ter sido enriquecida por emoções fortes, de momentos fortes, parece plausível.

E quem não tem da sua vida mais do que uma visão? Podemos não ter mais do que uma visão, porque parte dessas outras opiniões ficam com os que nos vão conhecendo. Não tenho, porém, grandes dúvidas sobre sermos uns, aos nossos olhos, e outros e outras aos olhos de outrém. Faz isso de nós várias pessoas?

Temos verdades inconfessas, nem sempre, ou propriamente segredos. Mas também segredos. Há os que eloquentemente revelam em personagens criadas parte das suas vidas e até das nossas. Com aquela capacidade transcendental de nos parecer algo por vezes familiar, ou sobre cenários e pessoas que visitámos um dia. 

Se um dia contam a nossa vida os que connosco privaram, outras verdades, não obrigatoriamente verdade, surgirão. São visões externas, nunca totalmente isentas, ou muito subjectivas mesmo, do que vimos de nós mesmos, ou do que gostamos de ser para os outros. Mas são outras verdades. As Mentiras das pessoas, não são todas mentiras, são verdades carregadas das vidas dos outros. É disso que somos feitos. De nós e do que outros vêem e pensam de nós.

E a mestria! A poesia profunda com que os autores, os bons, pintam as vidas que vão passando por eles! É tão enriquecedor, mas absolutamente um prazer, essas novas experiências sobre as verdades nunca por nós conhecidas, das nossas próprias vidas. E das dos outros. 

Ferrante é um superlativo de Literatura. Um rico painel de vidas que transformam a nossa em algo melhor.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

Millennium de Stieg Larson: Os homens que odeiam as mulheres

A memória cada vez mais triste do 25 de Abril