Morrer sozinhos

Quando o Mundo vive uma catástrofe de dimensões nunca antes vista e de contornos desumanos nunca vividos...

Ninguém algum dia podia prever, na azáfama dos dias dos mais activos, ou na lenta preguiça dos que não podiam ou nada queriam fazer, o que agora pouca diferença fará, estarmos juntos numa crise de proporções nunca algum dia vivido, a esta escala, com estas repercussões. E com experiências humanas de um horror inédito.

Já a humanidade havia conhecido, do que apenas memórias históricas podem ser testemunho, ou as ciências humanas e médicas comprovam, pandemias de uma devastação em vários países europeus, asiáticos ou africanos. Vivemos ainda outros dramas, por locais do mundo onde a notícia não tem o valor que no mundo dos ricos é conhecido, com a malária, como com o dengue, e outras paisagens de desertificação da paisagem humana.

A doença conhecida como covid-19 que, numa China sem humanismo, auto-referenciada como sociedade moderna, evoluída pela ciência e tecnologia mas mais ainda pela propaganda do Partido único, e força brutal do controlo da verdade e do pensamento de uma ditadura com anos a mais neste mundo, trouxe-nos uma outra realidade. A de estarmos juntos, mas ainda não unidos, e de muitos de nós chegarem ao fim dos seus dias completamente isolados dos seus mais queridos.

Uma vida longa, de mais ou menos lutas, seguramente mais do que menos, e com a promessa de ainda uns bons anos pela frente, cortada desumanamente por um vírus maldito, de uma origem repelente (e inimiga da liberdade que tanto amamos e queremos proteger). Vidas que  afinal não mais do que promessa de longas, decepadas no isolamento de um hospital, de um lar, ou da própria casa, sem os seus, longe da família, longe de quase todos.

O maior drama de saúde pública de que temos memória, que nos está já a oferecer a maior crise económica da História, cessa em literal sufoco, sozinho.

Um drama humano em todo o planeta, sem excepção de regiões, países, raças e estratos sociais.

Um drama ainda mais dirigido a profissionais de saúde, diariamente nos limites da capacidade e do conhecimento, de quem todos dependemos e seremos eternamente gratos.

Morrer sozinho é o fim abrupto de tantos e tantas que indiferentemente da classe ou da região, partem apartados de todos, até ao minuto final em que a terra os cobre num local de repouso sem fim.

Homens, mulheres, maridos ou mulheres, pais e filhos, irmãos... cada um que parte segue sozinho, com a vida por vezes a meio, em menos dias dos que houve para que se avise a família ou os amigos.

Este vírus leva-nos, sozinhos. A última companhia é a do coveiro. É um vírus silencioso de uma origem violenta, que nos mata silenciosamente, sem violência, mas num sufoco.

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