Da serenidade da minha sala, do sol que nos engana
Quando Chopin entrou pelo silêncio da minha sala, estava-se num zero quase absoluto de tranquilidade e ambiente inspirador. A música do Mestre do piano não perturbava nada, mas acendia a vontade de escrever de contar, de descrever esta tarde de sol que me entrava pela janela. Não havia o zero absoluto dos sons, porque lá fora empoleirados nos pinheiros próximo da janela, alguns pássaros rejubilavam com esta Primavera temporã, um cão protestava seguramente por se encontrar preso numa varanda, e pela provocação que lhe faziam outros cães e pessoas passantes pela rua pricimpal, perto da minha. Esta sala, este ambiente de paz e serenidade, com a luz fantástica que me entra pela janela ao lado da secretária, de onde escrevo, faria as maravilhas de um bom escritor, um de verdade, trabalhador com afinco e inspirado de belas frases, desses que usam bem mais cérebro do que nós os normais mortais, que nos deliciam com a imaginação e criatividade e a quem parece nunca faltar assunto ou tema para um conto, uma novela ou romance. Ou apenas um artigo de jornal.
Numa tarde destas, entre umas costas que me doem e não me permitem um andar vertical, mas qual navio com a carga em desequilíbrio, ou para quem se recorda, do antigo 'Guiné' que andou pelos mares com uma chaminé inclinada por um qualquer acidente nunca corrigido, e uma vontade de um novo recomeço da minha vida, com uma actividade sobrevivente em tempo de crise nacional agravada, a real vontade é a de encontrar um tema, um centro e uma fonte de inspiração para uma escrita de fundo.
Este sol...esta luz que só nós temos, branca e serena, que nos engana com a calma que nos transmite, e nos engana no cerne mesmo da crise que nos leva os euros e as energias, mas insiste em nos deixar as depressões. Esta janela ao meu lado que ao tempo em que me chama para ir andar ao sol, de lado, como um automóvel com a suspensão danificada, me diz que me deixe deliciar enquanto me for permitido, com esta serenidade enganadora.
É daqui que escrevo, e simultaneamente me ocorrem todas as boas nostalgias dos bons momentos de tempos recentes, e todas as preocupações que tanta asneira, fruto deste tempo de mediocridades sociais e políticas, me traz, involuntariamente, mas com persistência.
Mas este sol português, parte modesta desse mesmo sol universal que por estes dias se entretém em explosões excessivas, juntando à crise financeira e social, à seca intensa, ao desemprego e à falta de perspectivas e ausência de futuro, mais um motivo de imprevisíveis acontecimentos, deixa-nos uns dias melhores, se os vivermos cada um à sua vez, sem precipitações e sem entrarmos na ponte antes de a ela chegarmos.
Um engano doce e quente...
Alexandre Bazenga Fernandes
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