Millennium de Stieg Larson: Os homens que odeiam as mulheres


Li os livros de Stieg Larson de uma assentada. Foram três livros entre as quinhentas e as mais de setecentas páginas de leitura compulsiva. Pela narrativa contagiante e contaminante que o autor imprimiu às três histórias. Quando terminei, a primeira sensação foi de alguma desolação por ... não haver mais para ler.

Não são, em minha opinião, livros de uma literatura de elevado grau, de uma escrita marcante e profunda, ou que possam constituir um padrão e um marco na literatura europeia e sueca. Mas são histórias que têm muitas qualidade. Antes de mais a febre de ler. O prazer regressado de boas histórias, bem contadas e que nos fazem esquecer algumas incongruências do autor, para nos deliciarmos com a vertiginosa sucessão de acontecimentos, não sem que sejam marcantes do ponto de vista da visão e ideias do escritor: a injustiça para com as mulheres, injustiça social em geral, corrupção e manipulação de órgãos de poder e instituições, racismos, etc.

Larson construiu duas personagens fascinantes, uma mais do que outra: Lisbeth Salander (fascinante, após se estranhar...entranha-se e, mais leitura, mais empatia, até ao 'quase culto' da Froeken pró-gótica-salander) e Mikael Blomqvist, o jornalista inspirado, corajoso e lutador, que todos temos no imaginário.

Os livros (Os homens que odeiam as mulheres, A rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e um fósforo e A rainha do Palácio das correntes de ar) são, pois altamente recomendáveis, quer a doentes dos livros e da leitura (como eu...), quer a apaixonados por literatura de levada qualidade (também o sou...), que nestes livros podem 'descansar' um pouco da por vezes esforçada, mesmo que gratificante e deleitante, leitura de grandes romances de autores de referência (por estes dias foi lançado um imenso romance do grande e único Roberto Bolaño: 2666, pela Quetzal), como um Roth, um Rushdie, Naipaul, Yates, Oz, Phamuk, Malouf, etc.

Hoje vi o filme, baseado no primeiro da trilogia literária de Stieg Larson: Os homens que odeiam as mulheres. Um filme super interessante, sem pretensões de perfeição pseudo-intelectual, bem superior a muitos thrillers americanos, com uma qualidade de imagem bem elevada e um desempenho dos protagonistas de deixar muito 'made in the usa' envergonhado.

Aconselho a ver o filme e a ler os três livros e chegar ao trabalho cheio(a) de sono pelo prazer de ler e de se deixar entusiasmar, por uma boa história, mais do que por grande, superior, literatura. Aconselho a ler antes, mas também funciona vendo antes o filme...

Mas não percam estas histórias. Antes se deixem 'perder' no enredo que este malogrado autor, falecido subitamente aos cinquenta anos, sem chegar a assistir sequer à publicação do primeiro livro. Um autor que já é um culto e que planeava escrever dez volumes, de belas histórias contemporâneas.

O primeiro volume desta obra conduz-nos pela crescente vertigem da procura da sobrinha neta de um industrial, Harriet Vanger e choca-nos com a violência revelada sobre as mulheres. No início de cada capítulo Larson divulga estatística também chocantes, e reais, dessa violência sobre as mulheres, num país onde imaginávamos a tranquilidade social próxima da imagem que construímos de um paraíso duvidoso. A psicologia dos personagens é explorada cuidadosa e gradualmente, aspecto que no filme não se conseguiu levar a bom termo, excepto no caso de Lisbeth. Mikael Blomqvist é o herói que sonhamos que irá derrotar a corrupção e a injustiça com as armas que o quarto poder lhe conferem. Este será um tributo aos meios e pessoas onde Larson se movimentava. Os homens do poder, 'do capital', são os maus, ou quanto muito os menos bons, pois o contrário não seria nem de esperar, nem verosímil. O filme, que tenta um 'compacto' sobre as mais de quinhentas páginas do livro primeiro, 'millennium 1', é muito fiel em muitas descrições, de personagens e de locais e paisagens. Lisbeth Salander que nos choca com a sua frieza e violência, em momentos cruciais, acaba por se justificar a si mesma, num contexto de revolta que nos é imprimida pela revelação de crimes gratuitos e odiosos contra mulheres. Num bom policial o autor deve reconciliar-se, após as passagens violentas e chocantes, com o seu leitor, através da justiça que no final se cumpre. Há várias formas de narrativa, em livros desta natureza, mas Larson optou pela narrativa na terceira pessoa, fazendo de 'deus surdo e mudo' que conhece o pensamento dos seus personagens. Assim a vantagem é nossa, e a acção ganha outra dinâmica. Se a narração fosse na primeira pessoa, o impacte podia ser maior, mas acção e principalmente o poder conferido ao leitor, que vai conhecendo o que pensa e como pensa cada personagem e a sua íntima psicologia, não se evidenciariam. Numa obra mais literária, menos policial, outro tipo de narração faria mais sentido e adequar-se-ia mais. Mas aqui, não. Aqui quem domina é o leitor e, claro, o autor. E não há o domínio do personagem sobre o autor. Mas há um nível de conhecimento crescente, do leitor, que o prende e agarra, definitivamente, à leitura.

Boa leitura! Bom prazer!

Comentários

Anónimo disse…
Bom filme, agora espero ter tempo para ler os livros.
Obrigado pelo comentário. Os livros são bons, dentro do tipo de literatura em que se inserem. De leitura compulsiva!
Anónimo disse…
gostei do filme mas um pouco agresivo. não li nenhum livro, vou tentar ler por ser novidade mas a minha mulher leu e gostou.
Anónimo disse…
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse…
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Leitora compulsiva disse…
Fabulosas histórias, leitura absorvente e compulsiva! Há muito não lia algo tão viciante. Sou fã incondicional de Froken Salender, adoro-a, apesar de achar que ninguém, apesar de tudo põe de parte um amigo assim; é corrido mas está sempre lá! Não existem...
Li os dois livros num sorvo, o terceiro começado, parei... vou "poupá-lo". Não vai haver mais! O autor morreu!Óóóó, que pena!

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