A verdadeira crise das nossas sociedades - I


Em poucos anos, fruto talvez da rapidez a que nos impulsionaram movimentos acelerados como a globalização económica e cultural, e crises do petróleo e de moedas fortes como o Dólar e a Libra inglesa, tem-se assistido a uma substituição na classe política europeia, de grandes nomes, de individualidades herdeiras ainda dos ideais da chamada cultura ocidental, que sempre se tem vindo a identificar com a liberdade individual, cultural e política, por um grupo de políticos que, sem questionar o seu valor individual, não têm sido capazes de continuar essa missão de dar às sociedades europeias e a Portugal em particular, as armas suficientes para se protegerem da decadência e, finalmente, morte sem remissão da nossa cultura comum.



Jacques Barzun, numa monumental e visionária obra, “Da Alvorada à decadência”, retrata de forma erudita e esclarecida essa queda da nossa cultura e dos nossos valores.



Talvez não estivéssemos mal nesta nossa identificação, se fossemos capazes de assimilar e viver bem com isso, outros valores de outras culturas. Mas tais culturas têm vindo a perder, mais aceleradamente ainda do que a nossa (se a nossa ainda mantém uma identificação como sedno de “ocidental”) as suas bases e a sua identidade. Aliás, em duas obras exemplares (Collapse e Guns, Germs and Steel) Jared Diamond questiona as razões que levaram a uma dita supremacia da nossa cultura ocidental - entenda-se europeia inicialmente e, nos últimos duzentos anos, também americana e, mais recentemente, no pós guerra, um pouco no Japão...



Estes temas da nossa identificação cultural, dos nossos valores morais, sociais e individuais, enquanto elementos de uma sociedade com antigas e sólidas tradições, pretenderei explorarem em vários artigos, para não correr o risco, muito meu, de me tornar extenso, maçador e ilegível.


Na minha leitura muito pessoal, tem havido nos últimos anos um divórcio crescente entre as pessoas, os indivíduos e as sociedades, europeias e portuguesa, e a política e a religião.



Há hoje um fosso entre o que pensam - quando pensam...- as pessoas e a prática política. Mas também entre os indivíduos e a religião, seja ela qual for (umas ainda mais identificadas com as pessoas, outras mais distantes, mas todas em processo de afastamento.



Adiantando-me um pouco aquilo que pretendo aqui reflectir, as nossas sociedades, e nas menos preparadas pior, o materialismo e a rotina diária, têm vindo a consumir o tempo e a vontade que ante ainda podia existir, para permitir a criação e manutenção de bases filosóficas, religiosas ou políticas, princípios que iam passando entre as gerações. Hoje cada um de nós tem menos tempo, ou assim pretende ver as coisas, ou não lhe é permitida outra opção, para viver, na acepção que antes se dava ao termo: pensar, amar, dar e receber, emocionar-se, sentir, participar com ideias, ser criativo em diversas áreas de conhecimento.



O materialismo, talvez não na visão religiosa do termo, mas pelo menos na óptica filosófica, é o nosso dia-a-dia: Trabalhar mais e mais rápido, ter menos tempo me casa, para nós e para os outros, não ter tempo ou nem querer para reflectir e muito menos para participar na vida social e política, que nos atinge, envolve e condiciona o presente e o futuro.



Nesta minha óptica, passível de qualquer crítica, chego a ter muitas dúvidas sobre a real evolução humana, sobre a necessidade de algumas ou muitas evoluções científicas e tecnológicas.



Os media dominam e controlam massivamente os nossos dias, com um marketing muito sofisticado, louvável e justificável na óptica empresarial, mas que devia ter o contraponto da crítica informada de cada um de nós. Mas a nossa informação, e até formação, individual é, hoje, pelo menos em Portugal, muito questionável e, assim, o nosso espírito crítico é quase inexistente.

Maça-nos ou até temos medo de ter opinião sobre tudo ou sobre muitas coisas, e na nossa vida política actual, totalmente dominados por um Governo, não de forte personalidade mas de cariz totalitário, num estilo de Big Brother democrática e tacitamente aceite, nós já não participámos, quando ainda há pouco tempo, em 1974 se travou uma luta no sentido de recuperar a nossa liberdade, e liberdade crítica, mas ao invés, ausentamo-nos de ter opinião, de participar e teremos de levar, todos os dias com a prepotência de um Primeiro-ministro que já quase tudo controla nas nossas vidas, mesmo mais do que no passado durante a ditadura se pretendeu ou conseguiu, mesmo que não nos demos conta de nada.

Aceitamos passiva ou mesmo elogiando as atitudes e comportamentos que nos vão cerceando da nossa liberdade, tão recentemente conquistada. Isto ir-nos-á atingir em tudo. Na nossa vida profissional, como na familiar, na social e, não se surpreendam, na sentimental. Onde não existe lugar a pensar, não há lugar a viver em liberdade, a escolher em liberdade. Onde não há conhecimento, criado e obtido de forma livre, sem condicionantes impostas por uma administração do Estado desprovida de inteligência ou criatividade, mas muito provida de autoritarismo e prepotência e de omnipresença, não há liberdade autêntica.


O que hoje faz de nós o Primeiro-ministro e o Governo em bloco, é mais vasto do que alguma vez George Orwell conseguiria prever. E mais aterrador, por passar despercebido a muita gente!

Onde não houver liberdade individual, não há pensar nem sentir que nos tornem indivíduos melhores e mais felizes.


Recomendo a leitura de um excelente artigo de António Barreto, hoje no Público. um dos seus melhores artigos de sempre, não por melhor escrito do que outros excelentes, também que já produziu, mas pela oportunidade e pela coragem notáveis.
(http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?url=cronistas%2Easp%3Fcheck%3D1)

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