A perversidade do desequilíbrio europeu


Portugal seguiu, a meu ver, nos últimos anos, o caminho mais errado que podia ter escolhido. O de um país onde os preços se deviam regular pelos da vizinha Espanha, mas os bens adquiridos eram equivalentes aos que consomem os alemães.

Um mercado total de dez milhões e meio, mas de pouco mais de oito milhões activos consumidores, dificilmente pode suportar os preços baixos e agressivos de um mercado cinco vezes maior, como é o da Espanha. E face à dimensão do mercado, assim se calcula a base do poder de compra, do nível de rendimento per capita, dos níveis de poupança e outros indicadores, uns regulados pelos dos grandes países, outros pelos de países como uma República Checa, Hungria, ainda em ascensão no seio da UE, mas, pior, como uma Suíça (que devia ser o nosso 'target').

Mas injustamente, ou propositadamente, o desequilíbrio europeu, entre países como a Alemanha, a Holanda, a Dinamarca e outros como Espanha, Grécia e Portugal, interessa, activa e forçosamente aos mais ricos.

Tal como interessa que, no contexto mundial exista uma China, a duas velocidades, e a várias dimensões, consumindo matérias primas europeias, como aço, plástico, química básica e química fina, e combustíveis de países produtores asiáticos, mas enriquecendo rapidamente, para que lá se coloquem os produtos de luxo e glamour europeus, mais as tecnologias americanas e europeias, persistindo embora, e não dispensando a mão de obra mais barata do mundo, num desequilíbrio e fosso perverso, dentro da própria China, e da China para o mundo 'ocidental', interessa um outro desequilíbrio entre países da União Europeia, mantendo Portugal, Grécia e já não tanto Espanha (que nunca aceitou estar neste grupo dos infortunados-dominados) numa relativa pobreza, de matriz europeia, que em nada se compara à pobreza real de uma China, ou de um chinês.

Mas surge então uma de duas perguntas: interessa a um alemão subsidiar um português com dívidas para que lhe compre um automóvel germânico, correndo até o risco de insolvência e incumprimento do pagamento do mesmo? Interessa a uma Alemanha subsidiar esta dívida colossal, para que alguns, novos-ricos, empresários sem base sólida e políticos vivendo dos recursos de outros, adquiram automóveis e outros produtos made in Germany? Não me parece. Mas sobretudo, não lhes parece a eles, que nos estão a pagar as compras no supermercado e na mercearia, tanto como os medicamentos (que eles também produzem, tal como americanos). Mas, por outro lado, interessa a um alemão que os portugueses deixem de poder comprar os seus VW, BMW e Audi? Também não me parece.

Este o dilema alemão. Que pouco nos interessaria, não fora que o que eles sentem, pensam e decidem nos toca muito a nós nestes momentos de dependência financeira.

Este o desequilíbrio difícil de manter numa Europa nunca plenamente unida e construída, numa Europa que vive disto e não sabe disto sair.

E como quem paga, manda, poucas hipóteses teremos, sem custos maiores, de libertação desta cadeia de interesses mutuamente desequilibrados que se construiu na Europa.

Portugal não fez, nem tão pouco iniciou o único caminho que poderia libertar o país desta posição. Nunca se interessou, nem hoje se vê que o queira, por uma verdadeira educação do seu povo, uma formação elevada e superior, que ainda hoje se despreza tanto. Como o fizeram os suíços, os finlandeses, os dinamarqueses, e mesmo os checos. E tivemos ainda mais tempo e paz dentro de fronteiras do que todos esses.

Portugal nunca iniciou o caminho de se tornar um mercado mais caro, exclusivo e menos dependente de vizinhos e tendências internacionais, com um progressivo e crescente poder de compra das famílias. Fez sempre, pelo contrário, o caminho inverso. E um mercado assim, com baixos preços e fraco poder de compra, é bem mais frágil e dependente.

Se a isto adicionarmos um consumismo desajustado, investimentos públicos faraónicos e políticas pautadas pelo apego ao Poder e reféns de clientelas, bem depressa se entende porque temos esta Dívida (que, recordo, Sócrates sempre a negou publicamente, mas duvido que ignorasse, e usou essa mentira para tirar dividendos, ganhar adversários e ofender gente séria como Ferreira Leite, o que o torna um criminoso da política...) e esta dependência de uma Alemanha que a todos nos parece prepotente, arrogante e imperialista.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Millennium de Stieg Larson: Os homens que odeiam as mulheres

A memória cada vez mais triste do 25 de Abril