Alvorada algo fria

Está a chegar o frio. Há quem diga que pensamos melhor com o frio. Confesso que eu...sinto frio. Mas talvez exista uma razão para que se diga tal coisa. Talvez o calor ambiental nos puxe fisicamente, nos leva a actividades no exterior das nossas casas. O frio, pelo contrário, deixa-nos em casa, e em actividades no interior, da casa e de nós. São conversas mais demoradas com os nossos, são as memórias que elas trazem, são as nossas leituras, os filmes e tudo o que, também nos leva a, talvez, pensar mais.

O frio logo pela manhã ainda a aguardar o despontar do Sol, é provavelmente revitalizante, se sairmos à rua, para um pequeno passeio. Um revisão de momentos vividos, bons e maus, um esquema mental qual folha de cálculo na cabeça, para alguns planos para tempos próximos. Como a formiga, talvez, a preparar outro frio, mais intenso, outro calor humano, mais compensador.

O Sol já começa o seu dia connosco, deixando outros no início da noite, levando-nos a mais um dia que ainda mal descortinamos, no que estiver fora das normais rotinas. Mas o que iremos pensar hoje, o que iremos sentir hoje, a cada dia assim...

A descoberta de como iremos estar, emocionalmente, não é a mesma coisa que a intenção de como iremos estar. Como os nossos pensamentos condicionam o nosso estado emocional, o que o dia nos trouxer também, o que as pessoas nos derem, ou retirarem também.

E...

Há essa reserva de emoções, que vamos contendo porque temos de nos proteger, porque algumas legítimas, não podem ser vividas livremente, ou o dia logo ao despertar não nos irá ser leve. Ou há outra reserva que deixamos que se liberte no sangue e nos encha o corpo todo e alguma euforia, mas muita intensidade de viver nos altere o dia que ainda dá os primeiros passos, a luz do sol já tornando visíveis os prédios lá fora, os sons dos carros ganhando forma e espessura pela visão agora certa dos mesmos.

E...

A visão do que tanto queríamos ver ali, bem à nossa frente, digo, a um palmo de tocarmos o que tem sido tantas vezes uma visão construída e sonhada, à luz ténue mas quente e afagante do que a mesma nos inspira. A vontade e desejo a misturarem-se, a crescerem com a luz do dia.

No frio, talvez o impulso de pensar seja mais claro, mais translúcido, é possível que a mente goste do frio, como as árvores gostam dele para renovar os rebentos na Primavera, após a dormência dos gomos. Talvez precisemos da mesma dormência, e consigamos antever uma renovação pela Primavera.

Quando a luz se espraia lá fora, a vontade de um novo dia em que tudo corra bem, entra em nós na mesma medida e de nós depende que assim seja, as outras vontades dando força à nossa.

Mas é tão bom sair da cama com o sol ainda apenas a ameaçar aparecer. E sair à rua, com mais vontade de nos enrolarmos no dia e na sua luz do que antes, em dias anteriores já o fizéramos. E levarmos connosco o sorriso que o Sol nos diz devermos ter. E há um sol humano que só alguns conseguiram encontrar que ainda tem mais luz e nos abraça mais forte. E devemos levar connosco.


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