Noites quase brancas

A expressão "noites brancas", remete-me. para o livro homónimo de Fiódr Dostoiévski, e o significado refere um fenómeno comum no Norte da Europa, com o Sol a por-se mas ficando a sua luz ainda pouco abaixo da linha do horizonte.

É, metaforicamente também, um prolongamento de um dia. E sugere ainda a insónia, quando dizemos, "passei a noite em branco". Não costumo ter "noites brancas". Normalmente adormeço muito bem, e acordo bem. Mas nem sempre assim tem sido, felizmente poucas vezes. A noite passada fiquei "de conversa" com o meu filho, de quinze anos...até metade da noite ter passado. Conversa estimulante. Lembrei-me das horas tardias a que me deitava, quando conversas semelhantes aconteciam com o meu pai. Ele lia muito, até tarde. E com frequência ir ter com ele, e de pé ao lado da sua cama, até as pernas não mais aguentarem, falávamos de coisas tão diversas, como política, história, "psicologias" e "sociologias", de gente célebre da história da nossa cultura e da grande admiração que ele nutria pela América. O meu pai era um eterno apoiaste de Sá Carneiro e, por ele, se filiou no PSD, da Madeira, mais tarde desistindo, por saturação com João Jardim. Tinha sido também apoiaste de Humberto Delgado, e escondera folhetos e material de apoio à sua candidatura, porque era funcionário público, do Instituto Meteorológico. Impossível desmentir a saudade que tais tertúlias me trazem ainda hoje. Os princípio indefectíveis que com ele aprendi, o humanismo, a democracia, o sentido de responsabilidade e a inesgotável vontade de saber. 


O meu filho esta noite mostrou-se interessado em assuntos de neutro-ciências, tema que também me fascina. Foram horas de conversa com ele, entre outras coisas, sobre o cérebro e as suas capacidades e mais recentes descobertas. Ele começa a cultivar um prazer pelo Saber que me fascina, orgulha e comove. Gosta de ver documentários em canais de Tv (NG, Odisseia...) sobre assuntos destes. Estivemos a falar muito tempo sobre a Razão, o Consciente, a Memória, o Insconsciente, as nossas Decisões, o percepção do mundo, os enganos sobre o que realmente vermos e ouvimos, sobre os nossos sentidos, a análise que fazemos de pessoas e acontecimentos, com influência do inconsciente sobre a nossa racionalidade e consciente, etc.


Lembrei-me de, pela idade dele, ter andando a ler os meus primeiros livros "sérios": a Vigésima Quinta Hora de Constantin Georghiu, Treblinka de Jean-François Steiner, Steinbeck ("Vinhas da Ira", a "Leste do Paraíso", "Pastagens no Céu", "Ratos e Homens", "o Inverno do nosso descontentamento- a frase..."Now is the winter of our discontent, make gloriou summer, by this son of York"  e o grande "A um Deus Desconhecido"- que quero reler um dia destes, tal como Camus, "o Estrangeiro", "A Peste", e Hemingway, "O adeus às armas", "Por quem os sinos Dobram", Caldwell, "A estrada do Tabaco" ). 


Lembro-me do fascínio que tinha pelas estrelas, por observar o céu à noite, que do Porto Santo se via a Via Láctea com grande nitidez, em noites de Verão na férias e de quanto queria um dia conseguir entender toda a imensidão desconhecida que nos rodeia e envolve num falso vazio, cheio de estrelas, planetas e outros seres...mais tarde li Sagan, e o seu fascinante "Cosmos", de que vi o filme, com Jodie Foster, que pela história, o imaginário criado, a noção de seres super inteligentes, de uma inteligência que nunca alcançarei, de quão ínfima é a nossa sabedoria, perante um tão vasto Universo, e quão menos os nossos problemas, nesta imensidão aterradora. 


Ao final do Liceu, fui para Física, na Universidade do Porto, mas não continuei, em parte porque não resistia a uma terra de nevoeiro e frio, vindo de uma ilha temperada e serena, onde os dias tinham mais sol e o corpo se acaricia sempre à volta dos vinte e poucos graus. No Liceu, era um caso, digamos..."à parte", pouco me interessando os acontecimentos mundanos, mas não tinha os meios para subir no conhecimento e cultura que ambicionava. Procurei-os por isso na Física, para mim a área da ciência mais transcendental. Mas...não consegui por lá ficar.

No meu filho, um jovem de outros tempos, onde a pressa dos acontecimentos não se compadece com o tempo de reflexão e de sedimentação de conhecimento e saber, denoto uma sede de algum saber, ainda incipiente, mas que muito gostaria me ultrapassasse. Sempre quis que os meus filhos me ultrapassassem em tudo e assim o desejo e anseio. Penso que sim.

Hoje, ainda, me maçam as frivolidades e futilidades. Um grande defeito meu. Macei algumas pessoas com a procura de temas estimulantes, julgara eu, mais do que comentários sobre "mundanices" efémeras e inconsequentes. Mas sei serem necessárias. Com a vida a ensinar-me algumas vezes da pior forma, tenho ganho mais em tolerância e humildade, que sempre achei possuir, mas que sinto crescer ainda. Mas falta-me, confesso, por vezes, a paciência para preguiças mentais...


Fui professor por um tempo muito reduzido e só procurei duas coisas: passar algum saber e prazer pelo saber. Era difícil, em Alvide, Cascais...

Cada um dos meus filhos procurou e procura o seu caminho, todos distintos do pai e da mãe. Distintas convicções religiosas, políticas e até clubísticas. (FC Porto, Benfica e Sporting...imaginem o meu desgosto...). A mais velha interessa-se por investigação e torço imenso para que consiga por sei que a fará feliz. A do meio é toda arte, e toda conceito: design e artes plásticas. O mais novo, parece ter inclinações para área científica, talvez uma engenharia, ou economia. Nunca os procurei condicionar, mas antes ir tentando esclarecer sobre possíveis áreas, profissões e escolhas de vida.


Confesso alguma frustração pelo fraco prazer que a leitura lhes parece trazer, embora por vagas, todos leiam e todos sejam empenhados no que escolhem fazer. É isto que parece essencial numa orientação que sinto faltar no nosso Ensino. Não é fácil tentar descobrir as potencialidades, gostos e tendências de cada jovem durante o seu percurso escolar. Muitos factores interferem e podem mascarar potencialidades. Mas, desde já, a formatação actual de que hoje ouvi Passos Coelho falar e defender, como a solução para a sociedade do nosso futuro, como a chave para a sociedade do conhecimento e das saídas profissionais, não nos levará a lugar algum. 


O futuro não passa mesmo por mais Matemática! Que se desiludam. Melhor Matemática, seguramente que sim. Mas não mais horas. Ensinei Matemática também, e garanto que mais se faz por um jovem ajudando em método de trabalho, e motivando para muito trabalho, do que em transmissão de conhecimentos, que será a necessidade sentida pelo alargamento das horas semanais. Errado. E o futuro precisa de muito mais filosofia, Arte, Psicologia, ciências humanas e biológicas do que engenharias ou economia.


Esta noite, com o meu filho cuja aptidão mais natural e espontânea é matemática, tive esta, não percepção, que já a tinha, mas convicção. E a observação de novas tendências nos Estados Unidos e em alguns países europeus mo confirma. 


Vejam este vídeo no TED e sigam este homem, e ele não é o único (já Agostinho da Silva falava disto...):


http://www.ted.com/talks/sir_ken_robinson_bring_on_the_revolution


Não é o único que se esforça por demonstrar quão errado e anacrónico anda o ensino que damos aos nossos jovens. Formatando-os para um futuro que não irá acontecer...

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