Conversa com um comunista

No final de um dia mau, dirigi-me a Sintra, para reviver uma amizade com um amigo vinte anos mais novo, com uma formação académica exemplar e de alto valor, desempregado, uma simpatia de pessoa, além de um querido amigo ...surgiu-me uma conversa com um jovem recém-licenciado em Antropologia, comunista convicto e ortodoxo, que nem sei como se alguém se tornar ainda hoje um defensor dogmático, num mundo onde as certezas se abatem a cada dia.

O meu amigo afastou-se, impaciente com estas conversas estafadas de tanto dogma e força de convicção, numa ideologia morta e num tempo errado. Vive, como muitos mortais que conheço a alimentar um virtuosismo dualista, direita-esquerda, que tantos adoram alimentar. Tentei, como tento sempre, explicar o meu ponto de vista, sobre a desnecessidade, o irrealista e anacronismo de tal visão, dual e limitada, estreita para um mundo que deu milhões de voltas desde 1789.

Mas isso, sei-o bem, só um dia quando ressurgir um novo ideólogo consistente e respeitado que prove que nunca existiu o conceito de Direita, nem o de Esquerda, na política ou na sociedade. Um dia destes vou esforçar-me por "perder" mais tempo a explicar porque a mim me é claro que não. Não há Direita, nem Esquerda, mas há conceitos, visões, estratégias e actuações diferentes na política e mesmo na nossa atitude social. Mas a dicotomia é que me parece curta e estreita demais.

A este jovem inteligente e argumentativo, deve ter-lhe feito imensa confusão que um homem confessadamente social-democrata não se considere de direita, nem de centro, nem de esquerda e que defenda pontos de vista, alguns, idênticos aos seus. Que sim, que o sistema financeiro é responsável por este empobrecimento generalizado, pois dele extrai mais recurso, e que sim, que houve muita injustiça e exploração no tempo de Salazar, mesmo tempo em que a economia estava no poder de algumas, poucas, famílias. E eu, atónito, expliquei que a mim nenhuma confusão me fazia. Porque há quem adore e sinta essa necessidade de pertencer, e quem sinta a de pensar livre, por si. retorquiu a coisa mais espantosa ouvida de uma boca e um cérebro de vinte anos: que pensar por si, livremente, era uma ideia burguesa. No que quase me pareceu ver-lhe um subtil trejeito de aversão ao mencionar o termo, "burguesia".

Há muito que não conversava com um comunista, essa espécie humana, rara para mim, que escolhe fechar olhos e ouvidos ao pulsar natural e constante do dia a dia, que lhes desmente a visão fora de tempo, no tempo de hoje. Confesso que me entristece ver valores humanos e intelectuais se deixarem perder nesta ideia tonta da necessidade de pertença, e mais ainda uma pertença a um clube de ideias gastas de mais de cem anos. tentei ainda recordar que a espécie humana devia ter evoluído, para mutuo longe do conceito de 1789 e ainda mais para o pernicioso e criminoso mundo das ditaduras do início do século passado.

O mundo exige muito mais de nós, do que nos apegamos a filosofias com mais de cem anos, ou mais de duzentos.

Claro que afinal, até me diverti. Mas o resultado é o mesmo. Para ele, devemos ter discutido, para mim, conversado e com as diferenças todas que as nossas mentes nos ditaram. Eu, toda a vida tentei libertar a minha do que os outros me dizem dever pensar e dizer, em simultâneo com a aprendizagem diária do que esses mesmos me passam. Para ele, não há que ter a veleidade das ideias próprias, como se o mundo um dia tivesse sido desenhado, e bem, por alguns seres superiores, Marx, Engels, Lenine e esse imenso assassino, Estaline.

Lembrei-lhe as zonas do mundo onde existem hoje as maiores desigualdades e injustiças sociais, certo da previsível resposta de que na antiga União Soviética assim não era. Pois não, corrigiam-se as desigualdades dentro dos Gulag, que ele designa de campos de trabalho e reeducação. Claro. Há quem saiba por nós o que para nós e bom... Mas não para mim. Posso eu nem saber, mas outros não saberão melhor do que eu.

Vim pelo caminho de regresso a casa, com esta sensação desconfortável de ter falado com um jovem que terá tido a oportunidade de ouro de ver um mundo melhor do que eu vejo, e um mundo com uma ideia nova, que pudesse eventualmente fazer parte de um movimento que a todo o momento espero desperte, de uma organização ideológica refrescante e que nos traga futuro de novo. Mas não, vi um jovem inteligente e enérgico a defender ideias mortas e enterradas, que alguns como ele, pensam poder ainda implementar, sobre os cadáveres das vítimas das mesmas.

Se recentemente vivi a título pessoal uma realidade totalmente virtual e vi e vejo o desmentir do mundo que se nos olha de frente e nos invade o olhar, fazendo dele um mundo invisível a um humano normal, que me espanta que com tanta doutrinação ainda alguns nossos jovens se deixem e escolham incluir em grupos de ideias falsas e perigosas?

Há Direita sim senhor, e há esquerda com certeza. Mas apenas para quem assim quiser crer. Porque se se defender a privatização de uma Caixa Geral de Depósitos é-se de Direita e o oposto, deve fazer-nos de esquerda. Pois, para mim, privatizar a CGD é acima de tudo uma estupidez, agora, mas que eu já defendi, porque não concordo que um Banco que é acionista de bancos privados, esteja excluído da concorrência normal e não esteja cotado na Bolsa. E que sirva, antes de mais, de poiso a gente ex-política, mesmo nem sabendo o que é um Banco. Mas hoje, com as  Finanças ao serviço e sabor de um capitalismo desumano, essas privatização seria muito contraproducente e agravaria o estado de coisas no sector. Nisto não há nem Direita nem Esquerda, mas sensatez e reflexão no exacto momento, uma forma de pragmatismo.

Foi interessante, tanto quanto uma pequenina desilusão, por ainda termos jovens a viver a vida de há quarenta e poucos anos. Em pleno século XXI.




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