As recordações, a ansiedade e saber...viver!


Quando me tento lembrar de alguma doença que tenha tido em jovem, na infância ou já na adolescência, vêm-me recordações de apenas alguns aspectos desses tempos. Não tive nem muitas, nem grandes doenças, nem acidentes, felizmente. Tive porém uma febre reumática, algures pelos meus doze anos, talvez antes, talvez depois.

Não me recordo, pois, do momento e idade exactos. Nem de muitos aspectos relacionados. Lembro-me, no entanto, de ter ficado sem força e capacidade nas pernas e de, por uns dias, também não sei quantos, ter ficado de cama. A Febre Reumática pode trazer consigo outros problemas, como algumas sequelas a nível cardíaco, que felizmente também não tive. Confirmei tudo por mais de uma vez, com exaustivos exames, uma vez que gostava e gosto de praticar desporto com alguma intensidade e exigência a nível físico. Não gosto de desportos muito brandos, que pouco exijam de mim, fisicamente. 

Mas a minha mente, não me permite recordar mais pormenores desses tempo, do que os que menciono. 

Porque a nossa mente funciona como uma espécie de camadas, a nossa memória, melhor dizendo. Há aspectos que, de acordo com o que somos, valorizamos, experienciamos, ou que culturalmente nos condicionam, ou possibilitam, que se tornam sempre mais recordáveis, mais relevantes a nível da memória. Outros, porém, estando 'lá' registados, sem sombra de dúvida, porque associados ao mesmo acontecimento, não podem ter sido apagados na totalidade, ou a lógica associativa do que conseguimos recordar ter-se-ia perdido de forma definitiva, esses outros estarão num tal subconsciente, ou algo parecido. 

No passado, do nosso passado, sem no momento se ter feito o esforço, se o quiséssemos, de recordação para mais tarde, uma espécie de arrumação num armário mental, de escolha nossa, as coisas de que nos recordamos são, pois, reduzidas e selectivas e seleccionadas. E nem sempre nos recordamos das melhores. E quando nos recordamos das melhores, por vezes surge a nostalgia desse passado, um tipo de memória com alguma, pouca ou muita, tristeza associada, ou mágoa mesmo. 

No presente, porém, podemos eventualmente, fazer uma qualquer escolha selectiva, consciente, do que mais após se ter vivido uma experiência, queremos ter presente e recordar-nos. E talvez consigamos ser selectivos pela positiva. Apagarmos de um passado recente tudo o que nos desagradou, ou fez sofrer. Não temos esse controlo total. Impossível. E não se percebe bem porquê. Tal como não se sabe explicar bem, ainda, porque do passado nos lembramos selectiva e fraccionadamente do que vivemos.

Do presente, queremos tantas e muitas vezes, ou uma só...viver com muita energia e força nossa, um dado acontecimento, uma circunstância, uma vida, num dado local, com alguém, e não o conseguimos. E isso faz-nos sofrer. Sempre que algo fora de nós nos limita e impede, ou nos faz adiar vivências e pessoas, os dias não se tornam muito fáceis. E se, de forma tão racional, tanto quanto alguns, muitas pessoas até, insistem que se deve fazer, nos empenhamos em adiar, também esse desejo tão forte e tão presente...conseguimos? Não me parece, nem a mim, nem para mim, nem para ninguém. E fica a nostalgia, do próprio momento actual. Que se espera não nos traga melancolia e uma tristeza mais profunda.

Ora se não controlamos assim a memória do passado, associada ao nosso presente (quando algo da nossa actualidade, nos traz essa memória de forma súbita, inesperada, incompreendida e até indesejada...) somos nós os tais racionais, que tanto dizemos e apregoamos aos outros?

E se do nosso presente, para nos desenvincilharmos do incómodo ou tristeza dessa frustração, que se sente por não se poder, conseguir, ou não nos deixarem, viver o que mais queremos e, por vezes, não apenas para nós, temos de usar estratégias mentais que até ridículas podem ser, e prejudiciais, muito até, para que se venha mais tarde a viver, então sim o que queríamos (ir para um dado local viver, mudar de casa, conhecer alguém, viver com alguém, conseguir um determinado emprego, dar alguma coisa a alguém que muito queremos, fazer alguém feliz, afastarmo-nos de outras pessoas etc...) ...somos ou conseguimos ser tão analíticos e racionais, quanto gostamos de dizer?

Ou estamos apenas a controlar as nossas emoções, com o desgaste que tal pode ou não implicar ( há também o balanço entre esse desgaste e o outro de se viver o que queremos mas no tempo inadequado...ou recordar o tal passado, no pior momento para o fazermos).

Viver, com a cabeça sempre a funcionar, entre passado e presente, sabendo dar o devido valor a cada momento, sabendo não valorizar o que nos pode prejudicar, sabendo desculpar o que não é de significado, mesmo algumas mentiras ou omissões algumas nossas, outras de outrém, mas até com boa intenção subjacente e, com frequência, sem gravidade), que imaginamos existirem e, ainda assim, não devem ser trazidas ao consciente, ao momento actual e à convivência com alguém muito importante para nós, sabendo esperar momentos certos, tão difícil e duro para, por exemplo quem como eu vive o dia minuto a minuto, se não por fora, por dentro de mim, cada raio de sol e cada movimento da brisa que sopra tendo o seu significado e levando-nos até onde quem mais queremos e não temos no momento...é fantástico, mas muito exigente e necessita de uma tremenda presença de espírito e consciência perfeita, do que na vida se quer.

Em alguns momentos da vida, há que ter sabedoria para esperar...pelo momento certo, com o peito apertado e a ansiedade controlada, em mistura com momentos de contentamento e boa disposição, para mais tarde se confirmar ou não que esse tempo de espera, onde as nossas memórias boas e más nos podem aliviar as horas, ou atormentar mais, valeu a pena.


Saber esperar...uma aprendizagem fundamental! Nem sempre fácil.

Mas nunca se pode desistir. Bom para nós, bom para os nossos.


Comentários

Bem gostaríamos de apagar o passado.
Ele é como um flash, vem quando quer.
O mais difícil porém é viver o agora sem as sombras do passado.
Bom ou mal, o passado é sempre algo distorcido, não é o que realmente aconteceu, pois já distorcemos tudo em nossa mente.
Abraços,

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