O Tratado

O Tratado. O 'De Lisboa'. Que nos há-de 'tratar' da saudinha, a quase todos. Dizem-nos que é importante. Para dar outra eficiência à Europa, querendo eles dizer às instituições da Europa. Porque a 'Europa', das pessoas, somos nós e não as 'instituições'. Para começar.

Dizem-nos que, assim, a Europa será ainda mais importante aos olhos dos outros, dos não-europeus. Que, assim, terá a Europa (afinal, parte dela apenas, mas a parte da Europa selecta, a evoluída...) terá outra voz, mais forte e sonante, nesse mundo injusto para a Europa, nesse mundo que cria crises financeiras de que, depois a Europa vem a sofrer. Nesse mundo que produz mais barato do que a Europa e é, assim, profundamente injusto para quem lhe ensinou, afinal, a produzir.

Mas a Europa é a dos que decidem por ela? Ou é a dos que decidem quem decide por ela? Dos mesmos que amanhã não sabem se também vão receber a notícia, ou a carta, de que também ficarão desempregados, sem o rendimento e a qualidade de vida que a Europa sempre promete, tal e qual os seus amigos e colegas, que pensavam que seriam casos únicos. Que aconteceria apenas 'aos outros'. O desemprego, como a doença, o acidente e a desgraça. O fim dos sonhos. O fim do estatuto. O fim, ou a mudança de tantas amizades. Com o desemprego, também se vão algumas, muitas amizades. O desemprego, como a lepra de outros tempos...

Interessa a um eleitor sensato, responsável, com sentido do dever democrático, este Tratado, para o qual se celebrou numa cerimónia de mais de um milhão de euros, qual migalha em horizontes de TGV's (uma panaceia para todos os atrasos e todas as misérias) um Tratado assinado por um 'punhado' de usurpadores da vontade dos outros, um Tratado redigido por 'alfaiates' que o foram compondo com as várias medidas e cortes, à medida do capricho de cada 'senhor do poder', de cada Estado-membro? Interessa?

Uma Europa que se constrói em ilusões históricas como o proverbial e estúpido e anacrónico enquadramento ideológico-partidário de 'esquerdas' e 'direitas', como se se pudesse meter cada um de nós numa espécie de cor, de rótulo de forma tão simplória como desajustada. Com tanta evolução, dita humana e tecnológica, e ainda se usam 'encaixes' de pessoas em grupos, grupelhos aliás, ridículos, de esquerda e direita, para assim se dizer, consoante o 'lado' de que se, supostamente, se vêm, dos... 'bons e dos maus'.

Interessa uma 'espécie' de 'ordem social e política que se coloca diariamente nas mãos, ordeiramente, sem me querer repetir, de pseudo-ilustres, iluminados, que sabem o que nos é bom e vantajoso e, por consequência, o que é mau e desvantajoso? Um grupo de insucedidos, economica e politicamente, ou diria melhor, de falhados bem vestidos, bem transportados e bem remunerados, diz-nos que nos devemos 'comportar' bem, e sermos solidários, não com outros iguais a nós, no nosso burgo ou bem longe dele, noutro país, mas com os ditos 'iluminados timoneiros' e votarmos, votarmos sempre e nunca nos abstermos. Votarmos para os eleger (ou não teriam emprego!) e para dizer sim à miséria de Tratados fúteis e ridículos, vazios de significado futuro, para que assim a Europa continue a ser o lugar mais ordeiro do mundo, o mais 'limpinho' o de 'estilo e classe' que os 'outros invejam.

Mas afinal, este Tratado, ou outro qualquer, não vai mudar os destinos dos que ficam sem trabalho e sem futuro, dos que têm de mandar ao lixo os seus brilhantes currículos profissionais e académicos, que são enaltecidos e promovidos pelos senhores do 'status', porque no dia seguinte ou nesse mesmo...ficam sem saber como sustentar o modo de vida, ou apenas...a família e eles próprios.

Uma ordem política democrática que se ri de nós, todos os dias, e nos ri nas costas, com explicações idiotas sobre a origem das crises económicas e sociais, sobre o seu desenvolvimento e sobre o nosso futuro após as mesmas, porque...tudo ficará na mesma, ou, alías, bem pior.

Quem perde o emprego e passou a vida a auto aperfeiçoar-se, a formar-se e subir de grau académico e profissional, amanhã, se voltar a recuperar a ocupação profissional e a dignidade, fá-lo-á à custa de uma nova escravidão. A das horas sem fim ao serviço da nova empresa, das novas e mais restritas e elevadas exigências, do vencimento mais reduzido e dos objectivos mais ambiciosos e vigiados. À custa da dignidade profissional que a tudo custo tentam recuperar, a bem, dizem-nos de uma nova ordem económica, que, pós-crise, tudo terá de mudar, com mais exigência...mas apenas para os que foram engolidos na crise. E nunca para os senhores do Tratado e do Banco Central Europeu.

Um dia trataremos do Tratado e de quem 'tratou' de nós.

Outra vez, porque a história tem esta mania de se repetir.

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