A mente desconhecida


A propósito de um livro de Howard Gardner, o famoso psicólogo de Harvard que dirige um dos mais dinâmicos grupos de estudo sobre a inteligência humana(Project Zero) e sobre psicologia educacional - um dos primeiros, Frames of Mind, The theory of multiples inteligences, mas que só agora estou a ler, onde é apresentada a sua teoria das múltiplas inteligências, sobre o qual ainda tenciono escrever algum texto mais, lembrei-me de vir aqui deixar algumas ideias sobre o conhecimento da mente, de hoje e de ontem. Sobre a nossa mente, humana, ou seja a nossa e o conhecimento da daqueles com quem nos relacionamos.

Temos todos quotidianamente a noção do nosso controlo sobre a nossa própria mente. E, se não temos a mesma ideia sobre a mente dos outros, pelo menos actuamos com frequência como se assim fosse. Nas análises, tantas vezes sumárias e injustas ou, pelo contrário, na aceitação com alguma ligeireza, de outras pessoas. Saliente-se a distância entre mente e actuação, entre pensar e agir e leve-se em conta a pressa que hoje, e sempre, a vida nos exige, retirando-nos em tempo para reflectir na mesma proporção em que nos oferece a superficialidade e o stress diário.

Considero extremamente aventureira a atitude de julgarmos outras pessoas. Todos padecemos do mesmo e eu não me excluo, mas com tal atitude pode nunca chegar-se a saber o mínimo sobre pessoas que surgem pelo caminho.

O conhecimento da nossa mente é um longo e difícil caminho que se iniciou, de forma pelo menos mais sistemática, ainda na época das cidades-estado da antiga Grécia, com alguns dos grandes nomes da Filosofia. Mas não se pense que este conhecimento tem avançado ao ritmo de outros conhecimentos humanos. Quer seja sobre a nossa mente em concreto, quer seja sobre comportamentos e limitações humanas, históricas muitas delas, temos bem presente o nosso grande e profundo desconhecimento da nossa própria mente, da nossa própria espécie.

Ainda hoje se utilizam em larga escala testes de QI, como sendo uma forma de avaliar capacidades mentais, ou intelectuais, quer a nível escolar, quer mesmo a nível profissional. Estes testes vêm do início do Século XX, mais precisamente de 1912, quando Stern propôs o termo Quociente de Inteligência, ou de 1905, quando Binet e Simon criaram a escala Binet-Simon que é no fundo a escala por trás dos testes de QI. Do início do século XX! Mas foi na parte final do Século XX e já no início deste século XXI que se deram os passos mais largos e seguros no estudo do nosso cérebro e das suas capacidades. Como é possível continuar-se falar de QI? Já se provou que a Inteligência não é um parâmetro intelectual em si mesmo. Que somos bem mais emocionais do que racionais, mas como Descartes nos criou a todos o complexo de que ser racional é bom e ser emocional é menos bom, ainda andamos nesta eterna idiotice do duelo racional versus emocional. Vejamos.

Se a nossa capacidade e tendência geral, intelectual é, como se provou (Goleman foi apenas um deles mas um excelente divulgador da Inteligência Emocional e, mais recentemente Social. Mas foi com Gardner que se começou a falar da importância das emoções) mais emocional do que racional, ou se fizermos um paralelo, o nosso estômago aceita comida mas é também um importante centro nervoso, mas a sua função primordial é digestiva, sem dúvida, porque continuamos a achar que ser mais racional, é ser mais sensato ou acertado ou, por extremo, mais inteligente, do que ser emocional?

Uma explicação simples: ser emocionalmente pouco controlado, leva à interpretação de que não estamos muito capacitados para tomarmos a decisão ou atitude mais adequada num dado momento. Mas ser racional, demasiado racional leva-nos a quê? Por mim, por extremo a razão de Descartes é a parte mais estúpida da nossa mente. Ser tão profundamente analítico é tão só, ignorar e reprimir o que de mais extraordinário temos como humanos: sentir, emocionar-se, viver! Com a razão temos o controlo emocional adequado, mas vivemos com a emoção, Nem se duvide.

Mas se assim é, porque insistimos tanto nesta dualidade razão - emoção? E porque não desistimos de análises de QI? Ou porque, historicamente continuamos a usar, mesmo os que muito avançados cultural e intelectualmente se supõem, análises como Direita versus Esquerda, esse conceito anacrónico que nos chegou de 1789, de França? Dizemos que já evoluímos muito como raça, como cultura. Ou culturas. Será mesmo assim?

Individualmente as nossas análises são, injustamente, com muita frequência, sumárias e incorrectas, porque não damos aos outros oportunidades de os virmos a conhecer. Porque nem a nós nos conhecemos e nem uma vida inteira nos chega para tal Somos injustos connosco mesmos e mais ainda com outros, com quem lidamos, ou poderíamos ter vindo a lidar…

Na urgência do conhecimento e relacionamento com os outros, e na necessidade de nos inserirmos e não deixarmos, por consequência, isolar, fazemos todos os mesmos erros. Rejeitamos, acertadamente. Aceitamos, acertadamente. Rejeitamos ou aceitamos, erradamente.

Se a isto tudo adicionarmos factores como tempo (momento certo, capacidade de o identificarmos…), condicionando as nossas escolhas, o nosso histórico e o dos outros, os sonhos, as perspectivas de vida. Desejos, ânsias…

Um imensa miscelânea que me leva a escrever duas coisas: Sim, a pressa pode não ser má conselheira. Não o tempo, não é forçosamente bom conselheiro.

A nossa capacidade de visão, as nossas condicionantes, os preconceitos, as expectativas é que são os nossos efectivos conselheiros. Entre outros mais, claro está.

O tempo é apenas o ar que preenche. Está para as ideias e interpretações, com o substrato onde crescem, para as plantas. É o parâmetro subjacente. E é a medida dos nossos erros ou acertos. Dá a dimensão. É a métrica. É, por isto mesmo, fundamental. Mas é apenas isso.

Mas não culpem ou elogiem o Tempo. Somos nós os actores de tudo isto.

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