Chaconne da Partita nº2 BWV 1004 de J.S. Bach



Hoje, na Festa da Música no CCB, assisti a um recital fantástico:

Régis Pasquier, violonista francês já frequente na Festa da Música, presenteou o público com uma actuação genial da Sonata para violino solo nº 1 em Sol menor BWV 1001 e com a Partita para violino solo nº2 em Ré menor BWV 1004 de Johann Sebastian Bach.

Esta Partita é um das mais famosas de Bach e deve parte da sua fama, não apenas à genialidade da obra em si mesma, mas também às transcrições para piano, que no meu anterior texto referi também ter assistido, ontem em Belém, sendo a mais conhecida a de Busoni, depois a de Brahms, para mão esquerda, e quase desconhecida a de Lutz - que foi professor da intérprete de ontem, Edna Stern, uma pianista que não terá muito mais de vinte anos, mas já de uma virtuosidade e inspiração notáveis.

Uma Chaconne, ou ciaconna no seu original, é um estilo de música inspirado num dança, de origem espanhola e que remonta à Idade Média. A dança original é, tal como o 'andamento' frequentemente adoptado no Barroco, rica em variações e harmónicas e de cadência segura e magistral. É um estilo musical rico e nobre, tanto lento como variando para ritmo muito rápido e exigente, que muito solicita à virtuosidade de um intérprete. O mais famoso dos Bach foi um dos mais geniais compositores (embora estivesse votado ao esquecimento em salas de espectáculos, durante mais de 1oo anos) e também neste género, tal como em suites para violoncelo solo, ou muito distintamente em obras sacras de grande vulto e dimensão, Bach foi dos compositores que melhor soube escrever com base em danças ou melodias de raiz popular, ou de palaciana, elevando-as a um patamar tão elevado que, não raramente exclui um imenso número de intérpretes da possibilidade de as apresentarem em público. Pela sua dificuldade, pelo exigente nível artístico e destreza mecânica.

Edna Stern gravou magistralmente, num disco único as três transcrições para piano da Chaconne mais famosa de Bach, mas teve no final do recital de ontem um muito dissimulado lapso, na de Busoni, após uns bons quarenta minutos de interpretação consecutiva das outras duas, e numa sala mal climatizada, onde o público mostrava a sua impaciência e a sua ignorância, na forma de fru-frus e tosses totalmente despropositadas. Edna Stern teve três execuções tão diferencidas quanto envolventes, plenas de sentimento, de envolvência, em todas elas nos permitindo sonhar com um regresso inaudito ao Barroco, através de três composições que são posteriores àquela época. Totalmente justificado o milionésimo lapso na esplêndida pianista belga. Que me maravilhou, tal como hoje, Régis Pasquier com o seu violino setecentista, Guarneri del Gesú. Um violino de valor incalculável. Mas é Pasquier que o faz vibrar e nos encantar e inebriar.

As transcrições para piano da peça original de Bach são das mais belas obras que nos podemos dar ao prazer de ouvir e são das poucas obras pianísticas que se aproximam, na minha modesta opinião, da genialidade das obras magistrais e de elevado grau de dificuldade interpretativa de Liszt. São cada uma delas uns belos quinze minutos que podemos oferecer às nossas vidas, de beleza, intelectualidade artística ao mais alto nível (perdoem-me o galicismo). Com obras destas pode-se viver melhor e até morrer mais feliz!

Com intérpretes destes podemos enriquecer a nossa insignificante passagem por uma vida cada dia mais dura num país de culturalmente deserto.

Um amigo meu costuma dizer que Bach era o único compositor que tinha a certeza de escolher se pudesse e se soubesse que iria parar a um ilha deserta. Eu digo que Bach se leva até ao fim, até à morte e com ele estas transcrições maravilhosas de Busoni e Lutz, mas também de Brahms.

Comentários

Anónimo disse…
Uuuuuummmmmm...
Uma Chaconne (Chacona, Ciacone) dança de origem espanhola?!...

Não papo disso, não estou para aí virado. Não embarco nessa estrangeirisse.

O que nos vale é que o nosso mestre Gil Vicente, que era um grande folião, já conhecia a Chacota muito bem, por isso meu caro, esta dança é de origem portuguesa, e foi representada no seu Auto da Sibila Cassandra (1513).

Cumprimentos
Anónimo disse…
Realmente a chacone de Bach é tudo
que eu quiz ouvir minha vida !
É impressionante porque eu sentia que deveria ser assim, dentro do barroco,uma composição tão inspirada que a cada compasso faz você perceber que a vida vale a pena.Gostaria que Bach soubesse o quanto ele foi olhado do alto e agraciado por Deus em sua forma de TOCAR nossa alma !!!!!!!!!
Anónimo disse…
OBRIGADO, BACH, POR TER EXISTIDO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Paulo c.o.Franco

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